Sentada no escuro, assuntava a lua, vagarosa e estratégica a tomar o reino dos céus. Subindo silente, se adonando da escuridão, trazendo luz ao firmamento de sombras. De onde eu assistia, a via escalando a copa das árvores, uma a uma, até ganhar a imensidão e assumir seu trono de rainha. Me peguei em paz profunda ao contemplar sua subida, seu espetáculo tímido. Sabe, dentre os astros, estou mais pra sol que arde, no entanto, confesso, que queria, também, ser lua que ascende plácida.
Faz parte da minha personalidade essa explosão de energia solar. Risos e interações aleatórias são os únicos tesouros que se poderia achar, caso eu fosse a própria Caixa de Pandora. Únicos, não, minto, tem um absurdo de persistência e um tanto bom de cuidado - comigo e com o outro. Mas, de toda forma, cá dentro de mim não tem grandes segredos, sou essa criatura ível e risonha que se vê e pronto. Marisa Monte diz, cantando lindamente, sobre gente assim: é só mistério, não tem segredo.
Minha mulher íntima já entendeu que manter personagens é algo oneroso à vida e, sobretudo, à própria personalidade. A gente vai teatralizando as rotinas e, do nada, não discernimos mais o quanto de nós há no real. Esse buraco é profundo, é poço que ninguém te acode e nele eu não caio mais. Dessa forma, sigo abrasada, cotidianamente, como o sol, mas ansiando ascender em quietude como a lua.
Refletindo, começo a crer que não há impedimento: posso arder e ser abrigo-silêncio-sossego às sombras. Eu não tenho compromisso com esse nivelamento humano que aí está posto. Não tenho obrigação de ser uma coisa só. Meu acordo comigo, apesar de firme, é de gaveta e pode ser alterado a qualquer tempo. Nele, há uma única cláusula que firma que minha vontade de vida impera sobre todo desconforto, sendo assim posso ser quem e quantas personas quiser, dada a necessidade da circunstância.
Sabe, gosto mesmo e muito dessa fragmentação, que nos autoriza ser coisa alguma e tudo num como só, penso, inclusive, que essa é a graça da existência. O desafio de ir vencendo o dia a dia, com as condições que se têm, em multiplicidade de escolhas, sendo o melhor de si pra hora, é motor de grande potência.
Confesso, em alguns dias minhas possibilidades são infinitas, mas, em outros, eu mal dou conta do mínimo. E, tá tudo bem, pois, mesmo dentro dos piores dias vejo em mim, alguém que segue. Isso, uma vez, eu tinha como besteira, nem me dava conta. Hoje, é trono: sou a rainha da sobrevivência. Àquela que está ali, haja o que houver, carregando sua coroa feita de metal barato, num banho de ouro vagabundo, representando milhões de pessoas mundo afora que não têm interesse em ser algo que não se é.
Nessas possibilidades, me permito, sim, de agora em diante ser astro rei que queima cotidianamente, e, se a ocasião pedir, ser esse satélite natural que baliza a vida, nascendo e se despedindo tranquilamente, em estado de mudez. Esse fenômeno que avança, se lança ao cosmos sem pretensão e, por esse motivo, irradia luz e inspiração.