Nunca foi sorte e, também, nunca foi azar. As criaturas que somos hoje são resultantes, basicamente, de realidade socioeconômica e escolhas. Escolhas, essas, que, no meu caso, foram tomadas, por vezes, incauta e ilusoriamente, à luz de uma vontade de que a dura vida do ser adulto não chegasse. Mas ela chegou. Pra mim, pra você que me lê e pra todo o resto da humanidade.
Nada atrasa a chegada da vida adulta, seus infinitos boletos e seu acúmulo de frustrações. A gente pode até não lidar com ela, fingir que não a vê, mas lá está ela: nos esperando, sentada no sofá, sob a luz do abajur empoeirado, apreensiva a olhar para o ponteiro ligeiro do relógio.
Ela chega. E podemos fingir que a porta da juventude não se fechou com violência atrás de nós. Podemos até ir jogando sob o tapete as obrigações e as necessidades de lidar com o outro, com o mundo de forma responsável. Podemos ir nos enganando, simulando leveza e plenitude, enquanto distribuímos sorrisos nervosos e ardemos em profundas crises de ansiedade trancados no quarto.
Ela chega com a mesma velocidade que fugimos da terapia por não estarmos com força o suficiente para enfrentar monstros que criamos dentro de nós, fruto vivo de uma sociedade doente que nos causa traumas antes mesmo que conseguirmos proferir essa palavra tão sonora.
Sim, pra mim não foi diferente. Apesar de ser uma mulher adulta e independente, que saiu da casa da mãe muito cedo e ganhou a estrada no peito, não me sentia uma adulta. Me via girando, girando. Tal qual aquela vaca voando em meio ao tornado, cena que marcou época no cinema dos anos 90.
Vendem-nos uma ideia muito errada de ser adulto, por isso fugimos, creio. Viver vai longe do peso que nossas costas am. O desgaste gerado por um cotidiano onde só se respira e a é, sem dúvidas, uma tortura.
Boletos não são a vida adulta. Definitivamente, não. Pressão no trabalho, muito menos. Desilusões amorosas, tampouco. Hoje, sendo uma adulta em plena saúde com minha condição, percebo que esse estado é primo primeiro do balancear o que queremos e precisamos fazer. A vida é uma grande balança e, se equalizadas as dores e alegrias, o trabalho e o descanso e outros conceitos que formam nosso cotidiano, podemos ser um ótimo lugar para se estar.
Sendo adulta, hoje, almejo por dias de real leveza, escolhendo as grades que irão me prender, consciente de que a chave da prisão está ali a um esticar dos braços meus. Vivendo amores que me trazem o melhor de mim sem medo, sem culpa. Encarando meu trabalho e meus deveres como grandes oportunidades de evoluir e conquistar. Assumindo minhas peculiaridades sem pensar no julgamento alheio e, a cada dia, abrindo uma porta a mais do armário da minha personalidade fugaz.
Eu quero viver minhas escolhas com dignidade, sabendo que sou quem me tornei, um acúmulo de traumas, superações e entendimentos profundos. Sendo essa criatura complexa, que pouco chora e muito ri, acorda cedo e vai à luta armada tão somente da sua própria história.