Não há no armário roupa que me caiba mais, pois não há vestimenta que me sirva melhor do que a pele a qual habito. Eu até tentei usar outras peças, não é nada fácil andar pelas ruas conservadoras do Brasil vestida somente com sua própria pele. Busquei ali, no meu escaparate abarrotado de antigas Sandras, algo que desse pra encaixar por sobre essa pele que anseia ser vista, nada coube.
Tentei peças leves, que pudessem ornar por cima, ficavam acolá caindo nos ombros, engarranchando nas pernas, atrapalhando os os, os comos, daí não deu dança, lancei-as longe. Tentei as pesadas, vindas de invernos extratropicais, mas são peças densas que se põem a tensionar os músculos, enrijecem seus movimentos astutos e cobrem seus poros, que amam os arrepios causados por brisas bobas. Não funcionou. Tentei até peças de meia-estação, minha pele somente as regurgitou, com certo asco, me impressionei e nem tentei mais. Tudo que se sobrepõe à ela, pesa, incomoda. Pelo que tenho observado, ela lida tão mal com o desconforto.
Ao que parece, minha pele-rainha, quer trono e súditos. Quer ser protagonista e beijar o mocinho no episódio final da novela. Quer holofotes e teme a concorrência. Quer coisas pequenas e àquelas agigantadas. Quer ser feliz agora e não tem paciência pra nada.
Cansada de tentar mantê-la oculta, no sigilo, resolvi assumi-la. Olhei seus bonitos poros, tomados de pelos finos, quase invisíveis, agarrei suas generosas formas, senti seu calor e a levei-a mundo afora. Exposta, aberta, insólita, desfilei com ela pelas ruas, fizemos fofoca e rimos alto. Tão ela, tão dela, bailamos ao som de BB King muito bêbadas e curtimos ressaca no outro dia.
Desde então, aceitei que não há o que eu possa vestir, pois nada me caberá melhor que minha própria pele. Não há o que eu possa vestir, pois já estou vestida. E, muito bem vestida, por sinal. Fico belíssima trajada de eu-mulher-íntima-de-mim.
Sigo lidando com olhares atravessados, conservadores e muito caretas. Nada que me assuste, nada que difira do que vivi por toda a vida. Nada que a tríade do preconceito gênero-raça-classe, arraigado na história e no coração do nosso país, não justifique.
É penoso lidar com as maledicências alheias, que se galgam em pequenezas sociais ultraadas, sem gritar ou chutar três ou treze focinhos. Mas, vale a pena manter a pose, pois tenho preguiça de lidar. Por preguiça não lido.
A preguiça se instaurou profundamente em mim, por autodefesa e, também, pelo nobre motivo de: não tenho tempo. Andar com minha pele nua exposta por aí traz críticas bestas e algumas até interessantes, mas, em todas elas, é preciso debruçar-se sobre conversas, debates, palpites. E, não tenho interesse em nenhuma dessas possibilidades.
Só quero andar por aí, desfrutar do meu direito de ser eu, vestir o que sou, conceber o mundo do meu jeito, rir das minhas desventuras, chorar pelas minhas alegrias. Afinal, sou uma boa pessoa. Sou sim, eu juro!