Nesse deserto de ideias e horizontes que temos sido como país, retorno à obra de Carlos Fernando Moura Delphim, sobre quem escrevi recentemente, na crônica Carlos, o homem imaginário.
Depois de garimpar em sebos virtuais, tenho em mãos novamente o livro Paisagens do Sul, com pareceres de Delphim sobre bens patrimoniais do Rio Grande do Sul – emprestado, o meu primeiro exemplar foi morar para sempre em ótima companhia na biblioteca do professor Aldyr Schlee, que nos deixou em 2018, em Pelotas.
É justamente de Pelotas de onde vem o mais revelador e fascinante olhar sobre uma árvore que eu pude conhecer; uma enciclopédia de história e natureza a um só tempo, contida em um ensaio de não mais que duas páginas, intitulado A falsa castanha.
De agem pela cidade, Carlos Delphim fez uma rápida visita, de manhã, bem cedo, à Praça Coronel Pedro Osório, famosa pelo seu chafariz. O autor logo observa a ausência de cuidados com a praça, a falta de uma pata dos cavalos de bronze, do conjunto “proveniente da famosa fundição artística sa Fonderies du Val d’Osne”.
Mas o olhar do autor repousa sobre uma árvore rara, identificada genericamente por uma placa no tronco como “falsa-castanha”. Antes de notar seu estado de total abandono, cheia de pragas e buracos, e de dar-lhe a classificação botânica (Aesculus carnea, da família das Hipocastanáceas), Carlos reflete sobre o espírito de Pelotas.
“Pelotas é uma cidade fascinante; (...) ostenta malgrado um ado glorioso, um certo aspecto decadente. É exatamente nos vestígios de declínio que reside seu maior encanto. A decadência pode ser o maior atrativo de uma criatura.”
O autor reconhece nas folhas da falsa-castanha de Pelotas o formato dos gradis de ferro de um palacete histórico de Porto Alegre. E assim vai tecendo relações entre tempos, culturas, territórios reais e simbólicos. Sonda as possíveis origens e nomes comuns da espécie oriunda do hemisfério norte (Castanha-de-cavalo pelos ingleses, Castanha-das-índias entre os ses).
“Assim como os chafarizes, as árvores devem ser objetos de restauração; um bem natural em nada é menos valioso do que um chafariz.” E sugere que, além de cuidadosa recuperação, a árvore deveria ter suas sementes coletadas para futuro emprego em outros pontos da cidade.
Olho para o pátio de casa, tomado pelo mato: o sagrado entra pelas janelas. Logo mais andarei por Caxias, urbe que implica com as árvores. Mal a cidade cuida do seu Duque de Caxias, feito de bronze!