Nunca vi. Não me interessa. Mas sei como é, de cor e salteado, pelas beiras da mídia e comoções nacionais. Refiro-me à Fazenda, um desses realities da tevê que confinam uma amostragem de humanos em uma gaiola cenográfica, diante da grande audiência.
Sucede que eu fui convidado a ir à Fazenda. Foi assim: um amigo comprou um campo no Vale do Rio Pardo, pela Encruzilhada do Sul. Um belo dia, ele enviou pelo Whats algumas fotos de gado, cavalos, galpão, nascentes, açudes, trator, tudo. Até o tradicional peão de estância estava de prontidão.
O amigo é um pouco mais jovem que eu. E, claro, com muito mais talento para os negócios. Nos conhecemos nas trilhas de bike. Além das bicicletas, outros pontos nos aproximaram: vinho de garrafa ou garrafão, que fosse; histórias e interpretaços da cultura regional, cachimbo, vespas fumacentas e outras roubadas folclóricas, banais. E o gosto por vãs filosofias de boteco.
Ele, acentuadamente um liberal, empresário e consumidor arrojado; eu, desse jeito que o leitor conhece, fazendo da realidade um romance insolúvel, mas tocando minhas coisas e, bem ou mal, uma empresa de produção audiovisual com mais de 20 anos de histórias contadas, projetos e muitos tributos pagos aos governos.
Tivemos, os dois, algum pôster ou boné do Che Guevara pendurado nas paredes da juventude, enquanto o outro cabeludo, Jesus Cristo, ceava com os apóstolos no quadro da cozinha de casa. Ambos desapegamos de nossos amuletos, normalmente (quem nunca teve um Che, não sabe o que perdeu!). O tempo e as visões do mundo nos colocaram em gavetas distintas, do tipo direita e esquerda.
Mas a filosofia da vida nos aproximava. Em nossos colóquios do ado recente, sempre exercitamos a boa dialética, trocando teorias e visões, em mútuo aprendizado. Muitas vezes resolvemos os problemas do mundo e quase os do Brasil. Quando não havia solução ou consenso, bebia-se.
Creio que nosso divisor de águas e vinhos deu-se no sinistro advento social e político em curso: para ele, a ascensão do messias et caterva ao poder era tolerável, necessária até, para ganhar-se um tempo; eu via nisso um delírio fascista – e mais um pedaço do futuro perdido. E por aí ficamos.
Jogo jogado, entre desilusões e perdas gerais da nação, volta e meia o amigo envia alguma foto tentadora da fazenda, como convite para uma prosa, um trago filosófico. Eu, no exílio do meu minúsculo sítio de mil metros quadrados, nas bordas da mata de Monte Bérico, resisto em visitar a fazenda. Que o tempo nos cure.