aram-se meses desde a nossa última troca de mensagens. Mas quando o Cipó de São João botou suas pencas incandescentes pela taipa de casa, no fim deste inverno infinito, lembrei de Carlos Delphim. Fiz uma foto e enviei-lhe pelo celular.
Carlos Fernando Moura Delphim – soa como uma onda – é uma referência no Brasil e no mundo no tema das paisagens culturais. Foi ele quem logo identificou a trepadeira selvagem do meu portão, na primeira vez que mandei uma imagem: a Pyrostegia Ignea, Cipó de São João.
Eis um indício de que Carlos talvez não exista: ele cita criaturas pelos seus nomes científicos, além do uso vulgar. Entre outras pistas de sua condição mágica: “Paisagem não é apenas o mundo que se vê: é também a forma como o mundo é visto” – em Rio de Janeiro – paisagem cultural, introdução do livro Jardins do Rio (Atlântica Editora, 2012).
Mas, o caso é que Carlos não respondia à mensagem do Whatts. Fiquei preocupado, afinal, “com tanta gente que partiu, num rabo de foguete”, nesse tempo sombrio (salve Aldir Blanc).
Conheci Carlos Delphim nos textos de Paisagens do Sul (IPHAE-RS, 2009), um conjunto de pareceres sobre lugares – e possíveis intervenções – no Rio Grande do Sul, de praças históricas de Porto Alegre às lonjuras do Pampa. Ali encontramos o seu incrível olhar sobre o sítio de Porongos, em Pinheiro Machado, marco geográfico do massacre dos lanceiros negros, na Revolução Farroupilha.
Delphim situa aquele lugar único “entre o real e o imaginário”; ao fim do diagnóstico, sugere que a própria paisagem seja o sítio de contemplação, com intervenções mínimas, respeitando o lugar e o seu espírito. Tal visão, de um engenheiro-arquiteto de formação, só poderia vir de alguém que não é deste tempo.
Depois tive a alegria de estar com Carlos em Jaguarão, no primeiro Seminário do Pampa. E em algumas viagens ao Rio, onde ele nos conduzia por mosteiros barrocos, vielas do Jardim Botânico ou em espontâneo ziguezague pelo tumulto do centro velho: “a cidade é o lugar do caos”.
No meu exemplar de Jardins do Rio, guardo a dedicatória: “Há um jardim em um lugar muito longe, quem sabe não pode contar. Lá mora um amigo chamado André, uma fada chamada Clarice e uma gatinha chamada Karla. Ou será que eu sonhei isto tudo?”
Carlos não respondia, nestes dias. Apelei ao velho e-mail. Escreveu-me de volta, anteontem. Com a mudança do Rio para Lavras, interior de Minas, sua terra natal, trocou de telefone. Ainda assim, às vezes penso que Carlos Delphim é imaginação.