Saio de cena desta página no tempo em que arrancaram a cabeça do Duque de Caxias, na Praça Dante Alighieri, coração da cidade. Apego-me ao fato porque em minhas duas agens como cronista no Pioneiro eu dialoguei com os monumentos de Caxias do Sul, tentando ver e transver no espelho do bronze certos traços da mentalidade regional.
Já conversei com o casal camponês do Monumento ao Imigrante, cujos relevos desvelam – e escondem – nossas sinas existenciais. E, lembro, já distante no tempo, quando escrevi o “O murmúrio do bronze”, uma conversa com o Dante da praça, em crônica de estreia, nos idos do ano 2000.
Agora, ao que parece, a cidade que homenageia o Duque de Caxias já normalizou o sumiço do busto do seu patrono, no garimpo da miséria a céu aberto dos espaços públicos. Ainda assim, não posso deixar de prescrutar os sinais em torno do monumento vazio do velho guerreiro – e ao mesmo tempo pacificador – que a história oficial nos conta.
Então, em uma noite quente da semana, fui visitar o pedestal onde o Caxias vigiava a Sinimbu, de frente para a catedral. Ao chegar à praça, dezenas de patrolas novas da municipalidade formavam uma barreira visual instransponível – em uma exposição tão típica como anacrônica.
Estacionei a Vespa por perto e entrei pelo labirinto de aço dos dinossauros amarelos. Logo uma viatura da polícia ou, devagar. Cheguei ao monumento. Na estrutura geométrica de concreto, onde estavam as letras de bronze, ficaram só os borrões do tempo: “Ao Duque – o Exército e a Cidade”. No lugar do busto, sobrou um ressalto de argamassa, como bizarra sugestão visual.
Antes de afastar-me, no adeus, ouvi uma voz oculta: “Caro cidadão; eu te conheço de longa data, desde quando você, um colegial, por aqui marchava a contragosto na semana da pátria; sei que você muito me odiou na juventude. Bom ou mau caxiense, não te julgo. Mas muito obrigado pela visita, neste meu exílio da cidade que não mais me vê!”.
E assim termina esta última crônica, como ensaio absurdo e efêmera intervenção urbana, pois nesta quinta – enquanto o jornal sai das rotativas – o púlpito do Duque de Caxias amanhece com uma coroa de flores.
* Agradeço aos leitores – sem elas e eles a escrita não se completa; ao Pioneiro pelo espaço e determinação. De modo especial, obrigado à jornalista Andressa Oestreich, sempre atenta na edição das crônicas, e à gerente de jornalismo Andreia Fontana, desde o convite para esta segunda temporada, até agora – tempo de troca de pele.