Abrem-se as portas da esperança de dezembro. E lá não está mais Sílvio Santos anunciando os quadros redentores do SBT, mas um Papai Noel de aluguel, suando no sol de rachar das calçadas e vitrines do centro da cidade.
Há cenas que se repetem tanto na vida, sem muito sentido. Uma delas, potencializada a cada Natal, é a famosa e onipresente cartela de preços dos produtos, terminando em 99 – na eterna fantasia monetária de um mísero real ou R$ 10 mil, pouco importa, mas sempre subtraindo uma migalha do todo. Compre por apenas R$ 9.999,90!
Pior é que a velha tática do R$ 99,90 funciona. Menos como atração do que como alento psicológico, depois que a vítima cismou em comprar aquele sapato ou aquela roupa, cara pra chuchu, mas que custou só R$ 499,90 – não chegando aos impagáveis R$ 500.
Nestas semanas abençoadas pelo novo milagre econômico brasileiro, com a gasolina batendo nos sete pilas, alguns postos de combustível apelam para o décimo de centavo, ou milésimo, ou “cêntimo”, seja como for o nome da mágica. Chegamos à bela equação numérica: gasolina comum – R$ 6,999.
Assim o preço do litro mais se parece com o número da Besta. Pois não é o comércio, antigo como o mundo, um parque de diversões do diabo? Vejam o que está acontecendo com o mês de novembro, antes tão inexpressivo no calendário das compras. Graças às empulhações da black friday à brasileira, nossos novembros já rivalizam com os ilusionismos de dezembro.
O pacto coletivo do “me engana que eu gosto” entranhou-se, por redundância, em nossas entranhas mentais. Acho incrível, por exemplo, os prodígios do comércio de automóveis. De uns tempos para cá inventaram e tornaram palatável o termo “seminovo”. Nas revendas de rua ou nas concessionárias de carpete vermelho, um carro com 50 mil quilômetros rodados ganhou status de veículo seminovo. Mas assim que cai em nossas mãos já não a do velho e gasto “carro usado”.
E o delírio migra para os negócios entre pessoas, digamos, amadoras. Dias atrás recebi uma mensagem no Whats: “Boa noite, lembra de mim? Coloquei à venda aquela minha Defender, 2011. Era da Fernanda
Lima, esposa do Rodrigo Hilbert”. Perguntei, por curiosidade, se além da cor verde e do teto branco originais a caminhonete ainda guardava o cheirinho de Fernanda (ou do Rodrigo) – e o quanto esses opcionais impactavam no preço.
Não sei se o cara já vendeu o jipe da Fernanda. Se fosse o Dodge Magnum que foi do Raul Seixas, vulgo Dojão, talvez fizesse a minha cabeça.