Busco as ferramentas. Uma velha e gasta colher de pedreiro, que Aléssio chamava de “paceta” e com a qual construía casas. Dirijo-me à moradia da mãe, na rua que confundia os limites do Rio Branco e a Vila Kaiser – hoje “bairro”. Vou fazer um corrimão e reformar os degraus, já muito pesados para a senhora de 81 anos que tem no seu pequeno jardim urbano a alegria de viver.
Reviro pedras, tijolos e memórias soterradas; chapéu, arqueólogo casual do jardim fundador da existência. Uma espécie de caos primordial, onde cresci entre “radiccis”, bergamotas, cravos, roseiras, temperos, romãs, gatas e seus filhotes, uvas, gambás invasores, pássaros, caracóis, uma tartaruga sumida, coleções de aranhas e muitos beija-flores.
Apenas vivia, não pensava naquele jardim; antes, ignorava todos os seus múltiplos sentidos. Mas assim é a vida na doce ignorância de não pensar sobre ela. Eu precisei de tanto tempo para entender a dimensão simbólica do pequeno jardim de casa.
Misturo cimento, lascas de basalto, água, o eterno zum dos beija-flores do Kaiser. Então migro aos pensamentos de Jardins do Rio (Editora Atlântica, Rio de Janeiro, 2012), livro de Carlos Delphim, em cuja obra bebo nas crônicas das últimas semanas. O jardim da infância, por primeiro, ensinou-me a ver a paisagem, de um modo que eu não saberia expressar – até conhecer o texto de Delphim:
"Paisagem não é apenas o mundo que se vê: é também a forma como o mundo é visto. Paisagem é o mundo, é ver-o-mundo: a cada olhar, uma nova revelação. Cada revelação se multiplica em novos olhares. Tudo muda na paisagem. O que se acabou de ver, tão logo é visto, já é visto de forma nova, diferente. A paisagem, a serenidade ou a inquietude do mundo, é a mesma do olhar de quem a contempla."
Sim, as imagens, os sons, os silêncios, os escuros, as luzes e a milagrosa biodiversidade de um quintal modelaram o meu espírito. Assim, dedico ao jardim de Teresinha este outro fragmento de Carlos Delphim, em seu novo livro, já disponível na Amazon e Estante Virtual: Três dimensões do jardim - Coleção Memórias de Paisagens:
"O que foi um jardim em sua origem? Às seis horas da manhã, não é o mesmo de após meio-dia. É uma coisa no inverno, outra na primavera. Um jardim é e continuará sendo uma obra incompleta, inacabada, para sempre inacabada, sempre a se refazer, a se reconstituir. Assim que se termina a tarefa de fazer um jardim, dá-se início a seu processo de constante e incessante transformação."