• 2022 - 51.327
  • 2023 - 58.840
  • 2024 - 59.935
  • O índice de reprovação ainda é uma das principais barreiras a serem superadas nas escolas estaduais gaúchas. No Censo de 2023 — o mais recente divulgado —, a taxa de reprovação no Ensino Médio ficou em 10,6%, deixando o RS como o quinto pior entre as 27 unidades da federação e com quase o dobro da média nacional daquele ano, que foi de 5,7%.

    Para o professor aposentado da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo (USP) e docente visitante na Universidade Federal do Pará (UFPR), Romualdo Portela de Oliveira, a reprovação é um reflexo de que o sistema não está dando conta e não pode ser tratada somente como um problema do estudante.

    — A reprovação é um sintoma da baixa qualidade de ensino. Ou seja, a reprovação expressa que o aluno não aprendeu o que deveria ter aprendido. E isso não é culpa dele. Em princípio, é culpa do sistema que tem que adaptar-se e usar diferentes estratégias para que o aluno que não está aprendendo venha a aprender — salienta.

    A secretária estadual de Educação, Raquel Teixeira, concorda que a reprovação não é o melhor caminho, e pode afastar o jovem da educação:

    —  O aluno da escola privada tem pouca reprovação, porque quando o pai percebe que ele está mal, contrata professor particular, tem toda uma estrutura familiar de apoio que os alunos da rede pública não têm. E reprovar não é alternativa para aprendizagem. Algumas pessoas acham que “ah, se meu filho reprovar, ele vai pegar base”. Não pega base, ele pega frustração, raiva, antipatia.

    De acordo com a secretária, o Estado busca combater o problema criando um sistema de reforços periódicos dentro do calendário escolar, para que as dúvidas sejam sanadas e os alunos que têm os melhores desempenhos possam ser monitores dos colegas.

    — São os estudos de aprendizagem contínua, que é a recuperação ao longo do ano, para evitar que chegue lá na frente e o aluno seja reprovado porque não se saiu bem na prova. A cada final de trimestre, a gente para duas semanas, redistribui os alunos pelo nível de dificuldade que têm. Quem não sabe fração, quem não sabe regra de três, quem não sabe história... são duas semanas de recomposição, de reforço — explica Raquel.

    Não conseguir acompanhar os conteúdos e não avançar para o ano seguinte podem fazer com que o aluno desista de continuar na escola, contribuindo para outro cenário que é bastante preocupante no Estado: o dos estudantes que abandonam os estudos.

    — Isso tem efeito sobre a autoestima, é sobre uma série de questões que acaba levando ao abandono. O abandono provocado pelo sistema escolar é, na verdade, uma inadaptação do indivíduo, do aluno, ao sistema — observa o professor Romualdo.

    RS é um dos Estados com maior abandono escolar

    A avaliação do Rio Grande do Sul no Censo 2023 piora na questão do abandono escolar, que ocorre quando o aluno deixa de frequentar as aulas por um período e retorna depois — diferente da evasão, que é definitiva. No recorte do abandono, o Ensino Médio da rede estadual gaúcha tem a segunda pior taxa, de 8,9%, atrás apenas do Rio Grande do Norte. O resultado é mais que o dobro que a média nacional, que foi de 3,8%.

    — Esse é um dado que está ruim há muitos anos — reconhece a secretária.

    A situação não é exclusiva do Ensino Médio. A cada cem estudantes que ingressam na rede pública estadual, apenas 58 concluem o ensino básico. A estimativa é do Centro de Educação Baseada em Evidências (Cebe/Seduc).

    Reprovação e abandono na Rede Estadual:

    Para o professor Romualdo, o primeiro o para trazer o estudante de volta é identificar quais são os fatores que estão desmotivando a ida para a escola e, a partir daí, traçar planos de ação.

    — Você pode ter razões pedagógicas, você pode ter razões familiares, às vezes a criança está sofrendo bullying, alguma coisa assim, ou ela está tendo que trabalhar para ajudar no sustento familiar — analisa.

    A entrada do estudante no mercado de trabalho também é levantada por Mateus Saraiva, professor da Faculdade de Educação da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).

    — Um dos principais motivos em que os jovens deixam de frequentar a escola está diretamente ligado à necessidade de trabalhar, então os jovens trabalham no Rio Grande do Sul, eles precisam da remuneração, seja para questões de ordem pessoal ou para o próprio sustento da família — enfatiza o pesquisador, somando o problema de deslocamento e até a segurança no entorno da escola como outras causas.

    A desigualdade social também é um fator que merece atenção. Conforme o Cebe/Seduc, um estudante preto, pardo ou indígena possui 48% a menos de chance de ser aprovado no ensino médio. Embora iniciem a trajetória escolar sendo 35% das crianças, os meninos negros vulneráveis encerram o Ensino Médio como 22% do total.

    Fatores que levam ao abandono:

    “Será que eu estudo? Será que ajudo minha família?”

    Dar assistência para os familiares, principalmente após a enchente de maio de 2024, fez com que Daniel Gustavo Freitas Pindaré, 17 anos, largasse os estudos no 2º ano do Ensino Médio. Morador de Canoas, conta que o evento climático deixou um desânimo grande. A família se preparava para comprar uma casa, no bairro Mathias Velho, mas o imóvel foi destruído pelas águas, acabando com o sonho.

    — Foi um choque para mim. Aquilo me trancou e me levou a pensar: “Será que eu estudo? Será que eu fico em casa e ajudo a minha família?”. E, realmente, eu tive que fazer a escolha mais difícil da minha vida. Eu tive que ficar em casa para cuidar da mãe, do meu pai e da minha vó — relata Daniel, que ficou afastado por seis meses da Escola Estadual de Ensino Médio Professora Margot Terezinha Noal Giacomazzi, no bairro Estância Velha.

    A partir do contato da instituição pela busca ativa, o adolescente retornou no final do ano e se comprometeu a realizar atividades extras, com apoio dos professores, para conseguir ar. Tudo parecia encaminhado até que, no começo deste ano, o dilema entre estudar e ajudar em casa voltou a ocupar a cabeça de Daniel. Dessa vez, a avó teve uma hérnia de disco na coluna e precisava fazer o tratamento.

    — De novo, tinha que fazer aquela escolha. Como sou o único neto dos sete que não trabalha, eu tive que ajudar, porque o meu vô, antes de falecer, me disse para cuidar da minha mãe e da minha avó, e isso eu cumpro com a maior alegria — sustenta Daniel, explicando que precisou acompanhar a idosa nas consultas.

    Novamente, a busca ativa conseguiu levar o aluno para a sala de aula. Fazendo atividades em casa para compensar, Daniel voltou a estudar e sai mais cedo quando precisa levar a avó nos atendimentos. Ele diz que sua prioridade sempre será cuidar da família, mas quer terminar os estudos.

    — Minha mãe é cozinheira e meu pai é faxineiro de escola. A gente está sempre para lá e para cá. Sempre fazendo um extra. Então, meu sonho é dar uma condição boa para a minha família — enfatiza o jovem.

    No ano ado, dos 1.070 alunos da Escola Margot, 69 reprovaram (6,4%) e nove abandonaram os estudos (0,8%). A diretora Cristiane Teresinha Quos aponta que o abalo psicológico pela enchente somado ao cuidado e ao sustento da casa aparecem de forma recorrente na busca ativa.

    — Às vezes, a família depende desse aluno para ajudar algum familiar que está doente ou também em tratamento psicológico. E a questão do trabalho, que é o que mais tem causado esse abandono. Com as bolsas (auxílio permanência) até baixou um pouco, mas ainda continua. Muitas vezes, o aluno é o único provedor da família — ressalta.

    Mateus Bruxel / Agencia RBS
    A diretora da Escola Margot, Cristiane Teresinha Quos, aposta na busca ativa dos alunos.

    Cristiane explica que cabe ao orientador educacional fazer esse acompanhamento, já que não há psicólogos para as questões de saúde mental. Com relação ao trabalho, ela constata que, se o salário for um pouco maior do que a bolsa-auxílio, o aluno não hesita em largar os estudos.

    —  Tem uma desvalorização da escola, hoje parece que a escola não é mais uma prioridade — desabafa a diretora.

    Em âmbito estadual, o programa Todo o Jovem na Escola auxilia estudantes da rede pública em situação de vulnerabilidade social, oferecendo bolsas mensais para quem mantém a frequência e cumpre os requisitos. Já o Pé-de-Meia, do governo federal, é voltado a estudantes do Ensino Médio público que também sejam beneficiários do Cadastro Único. 

    IA para reverter chance de evasão de 43 mil alunos

    No começo deste mês, a Seduc divulgou que, dos cerca de 700 mil alunos da rede estadual, 43,6 mil têm risco alto ou crítico de abandonar a escola. A informação foi trazida no lançamento da Política de Proteção à Trajetória do Estudante, iniciativa que busca mudar o cenário negativo gaúcho.

    A plataforma anunciada utiliza inteligência artificial (IA) para gerar dados e mapeia alunos classificados em situação de risco de abandono (crítico, alto e médio). Analisando indicadores, como desempenho escolar, histórico e infrequência, a ferramenta fornece um plano de ação para ajudar o orientador educacional, profissional presente em 95% das escolas de Ensino Médio.

    — Razões da infrequência, transporte, trabalhar, gravidez precoce, doença... tem uma lista que o orientador só vai clicando. E para cada razão da infrequência tem uma medida correspondente que é recomendada. Chamar o pai, colocar em aula extra, dar cartão do Todo Jovem na Escola — explica a secretária Raquel Teixeira.

    Até o começo de maio, 859 instituições da rede aderiram à plataforma, o que representa cerca de um terço das 2,3 mil escolas. A expectativa da Seduc é que todas usem o sistema, mas não há previsão exata de implantação total. 

    A Escola Margot, em Canoas, é uma das instituições em que o sistema ainda não está sendo utilizado. Conforme a instituição, houve uma apresentação do projeto pela Seduc, mas até o momento a equipe não ou por treinamento para incorporação da política.

    Segundo o governo do Estado, nas próximas semanas haverá um curso com os orientadores educacionais, que vão trabalhar com a ferramenta.

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