Algumas das mulheres que me habitaram no ado não toleravam a mínima solidão. Digo solidão, sim. Não tenho medo da palavra, tão menos, hoje, da experiência. Não mais. Ela tem completado meu existir com densidade e, eu diria, até alegria.
Como uma típica mulher-polvo, cheia de tentáculos que abarcam um sem fim de atividades e rotinas, me permito à solidão. Anseio por ela dia após dia, noite após noite. Mulheres como eu se multiplicam por ruas, avenidas e vielas. Sou uma dessas, que cada um de vocês conhece aos montes. Essas que são mulheres-mães-trabalhadoras e preenchem seus dias com funções mil que não cabem numa vida, quiçá num dia. Como representante legítima dessa classe, aguardo todo o tempo pelo instante em que o mundo se cala e eu posso ficar inerte, caso queira.
Nesses momentos, geralmente, me ponho sentada e ali não espero nada nem de mim, nem do mundo. Fico ali parada, disfuncional. Para não dizer que nada espero, creio que, de certa forma, fico aguardando, como dizem, que meu espírito volte a encontrar meu corpo que dele se perdeu entre o sair de casa muito cedo e o retornar muito depois que o sol se despede.
Tem certa graça saber que meu espírito é vira-lata a bailar sem rumo por aí, ele sempre acha o caminho de volta. E, quando ele chega, é festa em mim. De fone nos ouvidos, revivo músicas, converso comigo em voz alta e bailo pela casa enquanto volta à ativa a criatura cheia de função que sou e nasci pra ser.
Vivo minha solidão cotidiana com afeto e música. Enquanto me organizo para um novo dia cheio do atordoamento desafiador que amo, relaxo em minhas besteiras e intimidades e é aí, de roupão velho e pantufa, a viver enquanto o mundo dorme, que sou infinitamente feliz.
Sabe, em panos limpos, não estou me referindo à tal da solitude. Pelo menos não a que a linguagem comum atual dita, sobretudo a ligada às facilidades que os produtores de conteúdo blablazeiam em vídeos aleatórios nas redes sociais, querendo nos fazer crer que é fácil lidar com questões complexas como o estar só. A solitude, em cunho vernáculo, carrega em si alta significância e eu respeito. Tenho profunda consideração pelas palavras.
Só não quero que minha situação de mulher-real seja confundida com qualquer conceito vazio de uma plenitude humana que não existe. Sou de verdade e não um personagem vendável. Eu estar só não tem a ver com escolhas, tem a ver tão somente com descanso e necessidade.
Preciso estar só para não ter que cuidar de ninguém e não ter que cumprir qualquer demanda de horário. Ainda tenho minhas obrigações quando estou só, mas nelas sou eu quem mando: faço-as na ordem que consigo e quero, seguindo um fluxo que eu mesma crio.
Quando estou em minha companhia, sou rainha do nada e o universo tem cheiro de hortelã macerada e soa como as músicas que tocavam nas rádios da minha adolescência. Quando estou à noite em minha companhia, na taça de vinho tem esperança de sossego e o vento me conta histórias com lindos finais.