Eu não sei explicar nós dois. Se Chico, que é Chico, que é Buarque, que é de Holanda, que é bem nascido, filho de Sérgio, não soube explicar o amor inédito, imagina eu. Eu, menina bem vivida, mal nascida, de quebrada, filha de Divina e só, mais uma da Silva, nem tento, nem ouso. Ou ouso?! Afinal, sou morta de amores por explicares, analisares, e, para além da semântica, sou mortinha de amores por você.
Eu até poderia tentar explicar nós dois. Tenho vocabulário para tal, tenho argumento também, tenho ciência das palavras e suas múltiplas significâncias, seus pormenores de finesas emocionais e suas amplas interpretações que viajam na infinda história. O que não tenho é experiência em viver o sossego de acordar ao seu lado num domingo, beirando o horário do almoço, e, mesmo famintos, escolhemos ficar só mais um tantinho ali, na paz do nosso abraço. O que não tenho é o costume de encontrar gente tão disposta quanto eu a fazer a vida dar certo. O que não tenho é o hábito de lidar com um homem tão bem resolvido com sua individualidade que se doa, num salto cego, à coletividade.
Eu gosto tanto de nós. Amo a condição nata que temos de pensar exatamente a mesma coisa, no mesmo instante. Tenho verdadeira adoração por um casal, no caso nós, que é tão alinhado no que entende por prioridade básica da vida, que carrega juntos a assimilação maior da existência, que é planejar e istrar para que o descanso seja seguro e intenso na calmaria. Dentro do nosso pragmatismo, tudo é aventura, tudo é ofício.
É isso, gosto demais de nós, mas não sei explicar. Como eu poderia esclarecer para minha vizinha, que sabe de mim desde meu nascimento, que o conheci e, de pronto, sabia que era com você que eu dividiria meus dias até que não houvesse mais dias para viver? Como dizer que você é a pessoa distante mais próxima que tenho? Que estar ou não ao seu lado fisicamente não faz a mínima diferença pois seu cheiro e toque estão tatuados na minha carne, como explicar?
Tendo consciência das nossas coisas, dos nossos planos, dos nossos pesares e das nossas levezas. E, principalmente, do nosso pacto de honestidade. Sendo assim, decido inferindo, que não tem o porquê de explicar nós dois. Não há explicação, há vida. E ela pulsa forte no caminho que se forma entre quem sou e quem você é.
Não há porque explicar algo que só nos faz bem e traz à tona a melhor versão de nós. Algo que dissipa o medo intenso de viver não precisa ser explicado, merece tão somente a louvação cotidiana.
Entre conversas aleatórias e profundas que vão madrugada adentro, o conforto de gostar do que somos vai se adonando de mim e me fazendo morada das nossas risadas, dos nossos planos individuais muitíssimo plausíveis e dos nossos compartilhamentos de sonhos.
No caminho que se estabelece entre meus olhos e os teus, que se encaram fixamente por longo tempo, um tanto incrédulos, a iração mútua se agiganta e ganha o mundo em declarações desmedidas do amor que não pedimos, mas que somos gratos pela existência.