Meu mundo já desmoronou mais vezes do que poderia contar aqui. Sala, quarto, cozinha, quintal. Não houve um espaço doméstico em que eu não tenha, em algum dia, desmoronado. Não houve, também, parede de escritório, o qual meu eu profissional habitou, que não tenha presenciado meu espírito se despedaçando. De todas essas situações, saí. Em todas essas sinucas, boleei quase vitoriosa no fim.
Chorar é coisa banal, pensar em desistir chega a ser pueril. A gente, no fim, segue. Não é questão de ser forte, aguerrida. E não que não seja, também. Mas, no meu caso, não parar tem a ver com o fato de que venho de uma longa linhagem de mulheres que sobrevivem, que se mantêm vivas apesar das improbabilidades da vida real.
Improbabilidades são duros cotidianos que estão amarrados e atrelados profundamente à terra e às mulheres comuns como eu. A ancestralidade me diz num grito ao pé do ouvido: não pare, não pare nunca. Eu, cansada, exausta, querendo sentar à sombra de uma gigante árvore no caminho e por ali jazer, a escuto e obedeço.
Desde minha mil avó, seguimos de arma em punho. Das periferias velhas da história, dos campos, das cidades, das gerações lembráveis, estivemos empunhadas da pólvora dos dias, na batalha. Defendendo os nossos, lutando por sobrevivência. Comigo não foi diferente, infelizmente.
Lembro da dureza. E não queria lembrar, pois não queria carregar na mochila da existência essa realidade, mas cada cena é vívida dentro das minhas retinas. Pequena, em cima do tamborete a cozinhar para meus irmãos e irmãs. Sabe, me fazia feliz a função de prover de afeto e alimento aos meus, mas acontece é que a gente sem opção, torna por opção o cuidado. E segue cuidando do outro antes de si.
Fui, desde sempre, o doce e o amargo num prato só. A alegria e a dor em fusão. Fui me fazendo, unindo os sentimentos mais controversos num único corpo, encontrando no desespero meu lugar de desenvolvimento. Ora, cada uma faz o melhor por si e, eu, dentro de minha infante e profunda ânsia de ser necessária, entreguei tudo o que tinha.
Demorei mais de trinta anos para compreender o quanto o tempo de escassez me verteu em tempestades de raios. Meu estrondo estoura cá dentro de mim, pois meu soar mundo afora foi brando, subserviente e triste. Não é mais silencioso, confesso, mas ainda pede licença indevida para entrar.
Eu queria construir castelos. Sempre foi da minha personalidade subverter padrões e, ainda sim, erguer grandes edificações, e no fim, no hoje, mal consegui levantar pequenos barracos. Amo meus barracos, cada tijolo que os formam, mas carrego a vontade de transformá-los em castelos. Castelos na periferia, a qual eu nunca deveria ter saído. Castelos de quebrada, onde gente despedaçada pode estar e se reconstruir.