Fronteira. Ou limite. Ou ainda, o que nos divide. Limite é um belo filme do Mário Peixoto. Já esquecido. Realizado nos anos 1930, num tempo de queda de impérios e ressurgimento de novas nações. E nada do que foi voltará a ser como um dia. Tampouco o que está hoje estabelecido permanecerá pra sempre. É do jogo.
Li noutro dia que o diálogo aproxima. Dito de outra forma, o diálogo seria a solução. Sim, solução. De todos os males de ontem, de hoje e de amanhã. Solução pra quem, cara-pálida?! Tire a guerra da minha boca. Se falar, pouco resolve, menos ainda o quebra-pau, o tiro e a bomba.
Diálogo pressupõe falar e ouvir. Pressupõe depurar. Pressupõe filtrar. Pressupõe, enfim, um exercício sublime de reflexão. Porque exige escolher a melhor forma de dizer, por meio das melhores palavras pra cada instante do diálogo. Muitas vezes, em frações de segundos. E, exige, principalmente, reconhecer os limites de cada fronteira do pensamento.
Porque somos diversos, dúbios, contraditórios. Por vezes, até perversos. E falhos, como coxos claudicantes. Há um abismo entre os cinco e os 50 anos. Abismo separando a compreensão de vida e morte, de prazer e tédio, de pânico e glória. Dos cinco aos 50, ou mais à frente, dos 50 aos 90, as vicissitudes dão voltas n’alma, a razão se esvai como água escorrendo pelos dedos, e reconhecemos que desaguar nem sempre é a melhor saída.
A melhor saída é remar, diria o poeta. Coerente, aliás, com Limite, filme do Mário Peixoto. Ou ainda, como em Dead Man, de Jim Jarmusch. O barco, ali, na aparente deriva, a correr conforme o curso do rio. Nenhuma travessia é poética, apesar da paisagem. Como dialogar com a tempestade, com a força das marés ou com o poder dos ventos?
Dialogar é saber jogar. Nem tão dentro do silêncio profundo, nem tão truculento na imposição da força bruta. Até porque, a palavra — ou até mesmo a sua ausência — pode reverberar como uma bomba de efeitos explosivos. Mordaz, mesmo sem puxar o gatilho. Opressora, mesmo sem verter do ventre.
Nem tai chi, nem jiu-jitsu. Nem só a profunda e solitária meditação. Nem só a roda de samba num sarau sobrenatural. É preciso distender fronteiras, exercitando o pensamento com a mesma exigência de quem modela o bíceps na academia, com frequência e repetição. Ad infinitum. Ou nem que seja até a próxima estação, antes da terceira guerra mundial eclodir, suplantando toda forma de diálogo na base da porrada.