Ontem foi o Dia do Silêncio. Quem se importa? O mundo inteiro não parou de falar sobre o Conclave. Do dia pra noite nasceram especialistas em papa, cada um dando seus pitacos, especulando quem será o novo patrão da Igreja Católica Apostólica Romana. Inclusive ateus concedem entrevistas e tecem comentários pro mundo ouvir, sugerindo suas predileções — todos de olho numa chaminé.
Dia desses me fizeram propaganda do livro A Sociedade do Cansaço, do impronunciável Byung-Chul Han. Retruquei dizendo que somos a sociedade do ruído, do barulho, do falatório, da síndrome egóica da opinião particular, do “meu ponto de vista”, do verbo êxtase como gozo, escrito ou falado.
Enquanto uns dizem “eu acho que”, eu, noutro canto, me calo, como se dissesse “nem procuro mais”. Cansa só de pensar, né, seu Han?! Pois é. Até assistir futebol anda chato. Era mais divertido quando tinha só o narrador da rádio supervalorizando os lances que a gente nem tava vendo (só ouvindo, em silêncio).
— Quaaaaaaase gol do Caxias! — e a bola léguas distante do alcance do goleiro.
Era mais divertido quando era só um jogo. Hoje virou ciência. Tem o comentarista de arbitragem, outro do VAR, outro que analisa o mapa de calor do jogador pelo campo, outro que opina sobre o gramado, outro que critica a temperatura do banho dos jogadores, outro avaliando os penteados. E todas essas vozes buzinando nos ouvidos dos jogadores — atônitos — tentando discernir o que é preciso fazer em campo, “alguém combinou com os russos?”. Daí, na hora do vamovê, “olho no lanceeeeeeee”... Dez a zero pra bola.
Depois dos tradicionais xingamentos, tradicionais nos estádios e sofás mundo afora, enfim o silêncio se impõe, resignado. E tanto faz, porque foi só mais uma bola fora da vida. Mas, de fato, o silêncio nunca se impõe. Ele nem existe. Porque mesmo dentro da mais densa floresta, onde parece imperar o silêncio, a natureza revela suas muitas vozes.
Papo de louco, né? Talvez, mas pra fechar uma fatura dessa nem precisa acionar o velho Freud. É ciência, mermão. E mesmo quando os cientistas encontram um jeito de criar um lugar 100% imune ao ruído, se entrar um ser humano ali o silêncio morre, porque internamente estamos sempre em ebulição.
— Mesmo os monges, Mugnol?
— Mesmo os monges... Ninguém é feito de silêncio. Ou melhor, nenhuma meditação, reza, prece, oração ou o escambau espanta os ruídos d’alma.
Ano a ano, o Dia do Silêncio tem virado piada de boteco, alvo de bullying da sociedade da zoeira, do barulho, cansada de tantas vozes e incapaz de ouvir a sua voz interior.
— Dá pra calar a boca, Mugnol!!!
— Foi mal, desculpa aí, longe de mim querer atrapalhar a tua meditação. Fui!