Entre as tradições que cercam a Igreja Católica, a escolha do Papa talvez seja a que mais atrai as atenções do mundo inteiro. Até mesmo quem nunca frequentou uma missa sequer, quem jamais rezou uma Ave-Maria, estava acompanhando o Conclave — e se achando no direito de opinar sobre a eleição do cardeal norte-americano Robert Prevost como o mais novo sucessor de São Pedro. Se isso não é uma amostra irrefutável do poder do cristianismo e do Vaticano, não sei o que mais seria.
Nos comentários nas redes sociais e portais de notícias, em vários idiomas, começaram especulações estapafúrdias em torno do posicionamento ideológico de Prevost: seria ele mais “progressista”, como seu antecessor, o Papa Francisco, ou seria ele mais alinhado aos conservadores e à “direita”? A cada comentário desses, eu, católica, só revirava os olhos. Todo aquele que tenta reduzir a magnitude de uma instituição de mais de dois mil anos como a Igreja Católica a esse binarismo tosco e anacrônico realmente não compreende o que o representa de fato ser cristão.
O mais irônico é que muitos desses que tentam rotular precocemente o Papa Leão XIV am a maior parte do tempo ridicularizando nossa fé, nossos dogmas, nosso posicionamento sobre certas pautas. Mais curioso ainda é que essa gente, por outro lado, defende com unhas e dentes outros credos e seus valores: pregam total e irrestrita liberdade religiosa e respeito a todas as religiões, mas quando se trata do catolicismo e de outras vertentes do cristianismo não veem problema algum em esculachar seus fiéis e suas crenças. Por exemplo, é no mínimo contraditório que uma cantora de axé cristã seja cancelada por trocar a letra de uma música (numa suposta discriminação contra certa religião), mas que não se considere ofensivo e discriminatório usar a figura de Jesus Cristo de forma degradante em determinadas apresentações “artísticas”.
Respeito e tolerância deveriam existir sempre, entre todos os credos, inclusive entre aqueles que não acreditam em nada: isso se chama civilidade. Mas é fato que neste século 21 o cristianismo se tornou alvo de diversos ataques. Enquanto os ataques não am de discursos vazios de seitas políticas em rede social, tudo bem, só ignorar. Agora, no momento em que muitos cristãos estão sendo perseguidos e assassinados na África, ou impedidos de se reunirem em congregações em partes da Ásia, algo precisa ser feito.
Por isso me chamou a atenção quando a repórter Ilze Scamparini falou, dias atrás, sobre o simbolismo e a força da escolha do nome Leão XIV. Se no tempo de Leão XIII havia uma revolução industrial, hoje há uma revolução digital, que levará à redução dos postos de trabalho criando nova e profunda crise social. Mas, mais que isso, nos bastidores da Santa Sé, os cardeais também comentam: “Francisco falava com os lobos. Agora teremos um leão, que caçará os lobos”. O novo Papa, pelo jeito, vai assumir o posto do pastor que protege o seu rebanho. Afinal, só um leão para lidar com lobos, que são muitos.