
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva sancionou a lei que cria a Política Nacional de Humanização do Luto Materno e Parental. A medida prevê que o Sistema Único de Saúde (SUS) e a oferecer tratamento e acolhimento específicos para famílias que perderam um filho durante a gestação, no parto ou no período neonatal. A norma começa a valer em 90 dias.
O texto estabelece a oferta de atendimento psicológico especializado, a realização de exames para investigar a causa do óbito do bebê, o acompanhamento de gestações futuras e a necessidade de os hospitais possuírem espaços reservados às mães e famílias enlutadas.
Outra importante mudança é a alteração na Lei de Registros Públicos (Lei nº 6.015/1973). Agora, os pais terão o direito de incluir no registro de natimorto o nome escolhido para o bebê e, quando possível, a impressão digital e plantar (do pé). Também será possível velar, sepultar ou cremar o natimorto, conforme decisão da família.
A lei prevê ainda a criação de protocolos clínicos e a realização de treinamentos junto às equipes para um acolhimento adequado. Mãe, pai e familiares poderão ter um espaço e momento oportunos para se despedirem do bebê pelo tempo necessário e ser encaminhados para o acompanhamento psicológico após a alta hospitalar.
Além disso, a proposta institui o mês de outubro como o Mês do Luto Gestacional, Neonatal e Infantil no Brasil.
Atualmente, três hospitais no Brasil oferecem esse tipo de atendimento, segundo o Ministério da Saúde: o Hospital Materno Infantil de Brasília, o Hospital Materno de Ribeirão Preto e a Maternidade de Alta Complexidade do Maranhão.
De acordo com a pasta, entre 2020 e 2023, o Brasil registrou 172.257 óbitos fetais. Com 40.840 natimortos, a região Sudeste foi a que mais notificou casos no período. No ano ado, o país registrou 22.919 óbitos fetais e 19.997 óbitos neonatais (bebês com 28 dias ou menos de vida).
No mundo, a Organização Mundial da Saúde (OMS) estima que quase dois milhões de bebês nascem sem vida todos os anos, o equivalente a um natimorto a cada 16 segundos.
A importância do acolhimento
A enfermeira e docente Juliana Marcatto é coordenadora do projeto "Renascer - Cuidado Multidisciplinar do Luto Perinatal" na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Segundo ela, a medida é importante por fornecer diretrizes e caminhos para um melhor acolhimento das famílias enlutadas, necessário para evitar que as pacientes adquiram um trauma adicional em decorrência da experiência no hospital, além do luto:
— A forma como cuidamos das pacientes pode gerar danos terríveis em alguns casos, até maiores do que a experiência da morte do neném. É preciso ter uma abordagem em relação ao que é dito e feito, validando a experiência da mãe e a vida do bebê — diz.
Ela dá o exemplo da importância dos espaços reservados às famílias enlutadas:
— A dor de uma família que está vivendo a despedida ao lado de uma que está celebrando a chegada é absurda. Mas é muito comum que, nas maternidades, essas pessoas sejam expostas a choros de bebês e mulheres amamentando do outro lado.
Por meio do Renascer, Juliana é responsável pelo Ambulatório de Luto, vinculado ao Hospital Sofia Feldman, em Belo Horizonte. Lá, mulheres que perdem o neném já saem com consulta agendada no ambulatório. O processo de acolhimento não substitui a psicoterapia, mas permite o diálogo sobre os sentimentos vividos, explicações sobre condutas médicas, diagnósticos e decisões clínicas, além de conversas sobre as etapas do processo de luto e a vida do bebê.
Há ainda aconselhamento para questões como o que fazer com o leite materno, quando o processo de lactação já está estabelecido. Ela ainda afirma que, nesses casos, a doação do leite pode ser uma estratégia potente de ressignificação".
— Precisamos criar uma estrutura física e organizacional, mas também comportamental de cuidado voltado para esse sofrimento", defende. E precisamos entender que é exatamente por ser uma vida breve e pelo tempo ter sido curto que existe muito a ser feito — afirma.