
Aproximadamente um quarto dos vinhedos da Serra estão em áreas consideradas de risco para novos deslizamentos de terra. É o que aponta um estudo inédito lançado no início de maio pela Embrapa. A análise, que foi realizada entre junho e novembro do ano ado, aponta cenário de fragilidade no agro regional após o desastre climático.
O estudo avaliou a situação em 19 cidades da Serra: Antônio Prado, Bento Gonçalves, Boa Vista do Sul, Carlos Barbosa, Caxias do Sul, Coronel Pilar, Cotiporã, Fagundes Varela, Farroupilha, Flores da Cunha, Garibaldi, Monte Belo do Sul, Nova Pádua, Nova Roma do Sul, Pinto Bandeira, Santa Tereza, São Marcos, Veranópolis e Vila Flores.
Cerca de 50 pesquisadores foram a campo para entender como a intensa chuva que atingiu o Estado afetou a produção da Serra, sobretudo a viticultura. O resultado observado é que 25% das áreas de cultivo de uvas observadas nesses municípios estão sujeitas a deslizamentos que podem comprometer as lavouras.
Ainda, o estudo indicou que a variação climática, principalmente a precipitação, já é um dos maiores desafios para os produtores rurais, podendo gerar quebras de safras.
— Esse percentual representa cerca de nove mil hectares de vinhedos. Todos instalados em áreas com alta declividade, onde ocorreram muitos deslizamentos. Além dos fatores geográficos, o excesso de chuva fez com que a terra ficasse mais rasa, o que pode levar a novos episódios — pontua Joelsio José Lazzarotto, um dos editores técnicos do estudo.
Segundo ele, as regiões atingidas pelos desmoronamentos, no ano ado, representam 1% de toda a produção regional de uvas. Contudo, o episódio mostrou como o desequilíbrio climático pode e deverá continuar impactando a vitivinicultura.
As soluções apresentadas
Antes mesmo da catástrofe climática atingir a Serra e o RS, a Embrapa já estudava opções para lidar com os efeitos das mudanças no clima. O episódio de maio de 2024 acelerou o processo e reuniu um time de pesquisadores dos setores público e privado.
Os 16 autores do estudo sugerem uma série de mudanças para implementar nas propriedades. Segundo o texto, as medidas foram planejadas para garantir a viabilidade de produção e reduzir os riscos ambientais na região. São elas:
- Reconstrução de moradias em locais distantes de onde ocorreram os deslizamentos;
- Afastamento de moradias e estruturas para longe de margens de rios;
- Recuperação da mata nativa em áreas atingidas por deslizamentos;
- Plantio de mudas nativas em áreas de nascentes e margens de rios;
- Criação de espaços para o escoamento da água, ladeado por árvores de pequeno porte, em meio aos vinhedos.
Outras ações sugeridas precisam do envolvimento direto do poder público a nível municipal ou estadual. Conforme o estudo, projetos de criação de linhas de crédito e mudanças no plano diretor são medidas fundamentais para fortalecer a mudança sustentável nos vinhedos. São elas:
- Criação de linha de crédito rural especial para produtores familiares adequarem as propriedades;
- Alterações nos planos diretores municipais, revendo a estrutura de estradas municipais, pontes e moradias para reposicionamento em áreas de menor fragilidade ambiental;
- Monitoramento das áreas atingidas e em risco, com medição do deslocamento do solo;
- Criação de um programa de viticultura de baixa emissão de carbono;
- Sistema de alertas preventivos em caso de novos episódios;
- Instalação de bases meteorológicas para controlar o clima;
- Programa para o pagamento de produtores que mantenham áreas nativas em suas propriedades;
- Criação de linha de crédito para planejar e implantar reservatórios de água nas propriedades.
Programa Recupera Rural RS
A partir da publicação do estudo, a Embrapa se prepara para uma nova fase de ação. No último dia 21, o Programa Recupera Rural RS foi lançado durante a programação da 10ª Fiema Brasil. A ação irá levar boas práticas e técnicas que visam a sustentabilidade nas propriedades. Para isso, a Embrapa irá selecionar terrenos que fiquem entre o topo da serra e a margem de rios para implementar as adaptações. A seleção seguirá critério técnicos.

— Como é uma grande área, possivelmente iremos trabalhar com três a quatro produtores. Vamos conversar com eles e explicar a proposta, para que nos autorizem a fazer as mudanças. A ideia é tornar esses espaços referência para outros agricultores que queriam se adaptar também — explica Adeliano Cargnin, chefe geral da Embrapa Uva e Vinho.
Segundo ele, a Embrapa buscará apoio financeiro no setor privado para tirar do papel as adaptações. Até o momento não há data para o início das ações, contudo a intenção é começar o projeto durante o segundo semestre desse ano.
Tendo em vista que o Recupera Rural RS é um projeto de médio/longo prazo, Cargnin estima que os primeiros resultados visuais sejam observados em dois anos, mas com ganhos ambientais desde o início das ações.
Desafios do papel ao vinhedo
Além de mobilizar o setor privado para subsidiar o projeto, a Embrapa visualiza outro grande desafio: envolver os produtores para aderir ao programa. Para isso, a empresa prepara técnicos que irão começar o trabalho de campo sensibilizando os agricultores sobre a necessidade de adaptar as propriedades.
— O mais urgente é conscientizar as pessoas sobre a análise da paisagem. Toda a área das propriedades precisa ser vista e compreendida, como os pontos de riscos, a proteção das nascentes de água, pensar na localização das residências. Precisamos ar esse conhecimento, que também é novo para nós, para os agricultores e agentes públicos, que são quem precisam saber disso — defende Lazzarotto.

Para ele, a participação direta e apoio das cooperativas e sindicatos será fundamental para a realização do projeto. Ainda, as ações sugeridas pela Embrapa dependem do debate público e movimentação do legislativo para criar fomentos.
— É importante que tenhamos políticas públicas, como o crédito de carbono, que possibilitem ao produtor o equilíbrio financeiro. Quando se sugere recuperar mata nativa em regiões atingidas por deslizamentos, sabemos que se trata de propriedades pequenas e que a subsistência dessas pessoas vem do cultivo. Por isso, o projeto do crédito de carbono, por exemplo, possibilitaria a esses agricultores uma renda sustentável — argumenta Cargnin.