
Se para a maioria da população brasileira os bebês reborn surgiram como novidade, trazida à luz como polêmica da vez nas redes sociais, a caxiense Claudia Maccagnan convive há 17 anos com as bonecas hiper-realistas feitas em vinil ou silicone. Ao longo deste período, a artesã soma cerca de mil unidades confeccionadas e comercializadas por valores que variam entre R$ 2 mil e R$ 4 mil, em média.
Trabalhando em quatro encomendas para o mês de maio, Cláudia conta que conheceu a técnica reborn quando pouco se falava do assunto no Brasil. Por trabalhar no estúdio fotográfico da família, onde clicava os ensaios infantis, diz que a afinidade com os bebês ajudou a provocar a atração pelas bonecas artesanais, fora o fato de ser ela mesma mãe de dois bebês de colo à época.
_ Eu tinha dois meninos pequenos na época em que conheci a técnica e o que mais me chamou a atenção foi o lado emocional, de poder reter o tempo e eternizar em forma de bonecos. Qual mãe não iria querer isso? _ questiona.

No atelier que atualmente mantém em seu apartamento no bairro Lourdes, Cláudia produz bonecas dos mais variados tipos, desde prematuros até com o tamanho de um bebê de um ano e meio. A clientela inclui profissionais que trabalham como ferramenta de ensino para situações como simulações de parto e práticas de cuidados com recém-nascidos ou que fazem uso terapêutico para casos de luto, demência ou Alzheimer. A maioria dos pedidos, no entanto, chega de mães que querem bonecas para as filhas brincarem, como qualquer outra produzida em série. E tem aumentado, segundo a artesã, as encomendas de “bebês” feitos por semelhança,quando as mães querem bonecas parecidas com os seus próprios filhos.
_ Neste caso a mãe me manda foto da criança, com no máximo um ano, eu busco na minha coleção de moldes e procuro qual que mais se assemelha para começar a trabalhar e aplicar as técnicas que dão o realismo. Normalmente leva cerca de duas semanas do pedido até a entrega. A parte mais minuciosa é o cabelo, que é colocado fio por fio _ conta, acrescentando que as clientes recebem até uma simulação de exame ultrassom.
A polêmica em torno do tema tem se dado principalmente pela divulgação de casos em que os bebês reborn deixam de ser utilizados não como os brinquedos que são, ando a substituir o afeto humano e preencher carências afetivas. Algo que leva a casos como o de “mães” que levam as bonecas para tomar vacina. A caxiense reconhece que há alguns pedidos incomuns, como podem ser encaradas encomendas de bebês à semelhança de filhos já falecidos, mas que não cabe a ela julgar os motivos de cada cliente.

_ Não cabe a mim e eu acho que não cabe a ninguém julgar uma pessoa que não está fazendo mal a ninguém. Tudo que o amor move está valendo. Apesar de tantos comentários maldosos ou desinformados, fico feliz porque a procura pelo meu trabalho está aumentando. Muitas pessoas que não conheciam a arte reborn agora aram a conhecer, seguir o meu perfil, e logo vão querer ter os seus bebês.
Diferenciar o uso lúdico do simbólico
Psicóloga especialista em maternidade, trauma e luto, Arieli Groff alertou em entrevista ao programa Timeline, da Rádio Gaúcha, que a forma como conteúdos são consumidos e produzidos nas plataformas digitais exige cautela, principalmente quando envolve temas delicados como maternidade, perda e saúde mental:
— Em tempos de redes sociais, onde tão facilmente a gente compara o nosso bastidor com o palco do outro, isso pode ser perigoso.
Arieli explicou que é preciso diferenciar os usos lúdicos ou simbólicos dos bebês reborn — como objetos de coleção ou obras de arte — de situações em que há um rompimento com a realidade.
Sobre o primeiro tipo de uso, observou:
— Assim como há homens que colecionam bonequinhos ou se envolvem com videogames de maneira disfuncional, precisamos entender por que há tanto incômodo em ver mulheres colecionando bonecas. Que atravessamentos estão aí?
A psicóloga ressalvou que, especialmente em situações de luto, o uso dos bebês reborn exige atenção redobrada:
— O luto precisa ser um processo de ressignificação simbólica. Quando uma mulher perde um filho, por exemplo, é através do simbolismo que ela elabora essa dor. Se um bebê reborn ocupa esse lugar, pode haver risco de um luto complexo, em que ela não simboliza a perda, mas tenta substituí-la concretamente.