Tenho a bênção, cada vez mais rara nos dias de hoje, de acordar abraçado ao silêncio. Abro a janela e ele se expande, enquanto vou me nutrindo dos vários tons de verde da mata. É uma pequena felicidade, milagre avulso tornado consciente em minha alma. Mercadoria valiosa, como também é a disponibilidade de tempo para não fazer nada, simplesmente existindo. São luxos com valor maior do que uma escritura de um bem material, pois nos fazem habitar o universo da poesia, tão essencial para a nossa sensibilidade. Faço tais observações a propósito de um amigo que me diz fugir ao máximo de espaços aquietados. Trabalha em uma sala com outros nove colegas e aprecia isso. E, veja só: ao criar um projeto, ouve metal pesado. Isso o relaxa, diz-me. Achei meio irável, meio triste. Consegue ser criativo envolto no caos auditivo. Merece palmas. Talvez. Agora, rejeitar a quietude pode sinalizar incapacidade de conviver em paz. Ou o medo de encarar a si próprio.
O sintoma de gostar de uma época cheia de estridências é consequência dos inúmeros estímulos que recebemos a todo momento. Adrenalina e dopamina direto na veia. Temos dificuldade de respirar com suavidade, imersos em tanto barulho. Embora tendo à disposição uma ilha de sossego, surpreendo-me, ocasionalmente, desejando participar de toda a algaravia da cidade grande. É a dialética da existência, as polaridades revelando a beleza de evitar exclusões. Sabendo disso, estou destinando minhas melhores horas para irar, interferindo o mínimo possível no entorno. Contemplar ou a ser uma espécie de religião pessoal. Ao caminhar pelo jardim, não sinto necessidade de colher flores para colocar em vasos. Só olho e me encanto, reafirmando o sentido da impermanência. Um sabiá ou um joão-de-barro cantando em algum galho de árvore fazem a alegria se multiplicar dentro de mim.
O que nos machuca precisa de redobrada atenção. A tendência é fugir ou ignorar. Ao longo dos anos compreendi como é importante ampliar as instâncias que nos trazem conforto. Nada justifica entregar uma generosa cota de tempo em busca unicamente de um salário, pois nos será cobrado um alto preço. Carrego um modesto orgulho em dizer para as pessoas: pela manhã, escolho o que me dá prazer. Caminho, leio, cozinho, descanso. O mundo está ficando sem fôlego, apressado, barulhento. Então, crio em meu interior uma discreta morada para me proteger dessa desordem. Prefiro me responsabilizar pelo que sou e sinto, evitando terceirizar a culpa. Resultamos da percepção mais imediata da realidade. Se você olhar para a vida com ressentimento, ela te entregará ressentimento. Pensar é igual a agir.
Se você procura a liberdade, alie-se ao silêncio.