Entre as coisas da casa e pilhas de papéis, reencontro por acaso uma página de jornal já envelhecida, com de uma crônica minha, publicada em 8 de agosto de 2019, intitulada Um terço do fim.
Nela eu refletia sobre aquele 1/3 da população arrebanhada e marcada a ferro pelo ideário do messias caipira que enroscou-se na bandeira nacional. Pensava como esse 1/3 poderia, a seguir as coisas como andavam, nos arrastar para o caos.
Eu achava que aquele 1/3 era apenas uma fração arcaica, trágica e crente da população. Mas neste 7 de setembro, ao saber que o ex-piloto de F1 Nelson Piquet foi ser chofer do cortejo golpista do presidente, vejo que acertei no prognóstico de dois anos atrás, mas subestimei a latitude desse 1/3 ou 1/4 do que temos sido como povo.
Na inútil procura de explicações para o fenômeno, volto à teoria satírica do historiador italiano Carlo Cipolla (1922-2000), no ensaio As leis fundamentais da estupidez humana: “Cada um de nós subestima sempre, e inevitavelmente, o número de indivíduos estúpidos em circulação”.
Os estúpidos seriam uma fatalidade da condição humana: “qualquer estimativa numérica resultaria sempre numa subestimação”. O autor estabelece quatro tipos de pessoas: os estúpidos, os crédulos (ou ingênuos), os bandidos e os inteligentes. O sucesso das sociedades depende de como as demais categorias interagem para minimizar o efeito dos estúpidos.
A regra de ouro do ensaio: “Uma pessoa estúpida é a que causa um dano a outra pessoa ou grupo de pessoas, sem que disso resulte em alguma vantagem para si, ou podendo até mesmo vir a sofrer um prejuízo.” Dado o conceito, vamos à relação entre estupidez e poder:
“Alguns estúpidos causam apenas perdas limitadas, ao o que outros conseguem causar danos assustadores a toda uma comunidade ou sociedade. O potencial de uma pessoa estúpida causar danos depende de dois fatores. Antes de mais, do fator genético. Alguns indivíduos herdam doses notáveis do gene da estupidez e, graças a essa herança, fazem parte, desde o nascimento, da elite do seu grupo. O segundo fator que determina o potencial de um estúpido deriva da posição de poder e de autoridade que ela ocupa na sociedade.”
Aí, o autor constata: “Reencontramos, entre os burocratas, generais, políticos e chefes de estado, a áurea proporção de indivíduos fundamentalmente estúpidos, cuja capacidade de prejudicar o próximo foi (ou é) perigosamente acrescida pela posição de poder que ocuparam (ou ocupam).”