O início do mês de maio foi ainda mais intenso para a estudante do terceiro ano do Ensino Médio Anna Carolina Schneider Martins, 18 anos, de Porto Alegre. A quantidade diária de provas e a própria pressão para tirar as melhores notas, aliadas à preparação para o próximo Enem e à dança das cadeiras no Ministério da Educação, quase levaram à jovem ao que ela chamou de cansaço emocional.
Acostumada a longas conversas com a mãe, a psicóloga Silvia Schneider, 53 anos, Anna recorreu a ela para voltar a colocar os pés no chão. E de uma forma muito pessoal, capaz de lhe acalmar desde a infância: pediu colo e cafuné. Silvia, que guarda na sala a poltrona usada pela mãe, Leda Schneider, falecida em 2015, sentou-se confortavelmente e concedeu à filha preciosos minutos de acolhimento, antes de fecharem os olhos em silêncio.
Estar disponível e se oferecer para qualquer ajuda, desde cuidar da logística da casa até ser parceiro para uma caminhada na rua depois de inúmeras horas de estudo, já será muito útil ao estudante.
MANOELA ZIEBELL DE OLIVEIRA
Professora da pós-graduação em Psicologia da PUCRS
— Aquele tempo com a mãe me ajudou a retomar a energia que estava se perdendo. Foi quase uma meditação — relata Anna Carolina.
Outra mudança na rotina das duas foi incluir aulas de zumba no meio da semana. A dança ajuda Anna a relaxar. Antes do Enem, o apartamento do bairro Rio Branco era o espaço para confidências entre a adolescente e a mãe, que moram sozinhas desde a morte da avó materna. Agora, as conversas são dominadas pelos temas que poderão cair no exame, como a Primeira Guerra Mundial e a teoria da evolução. Silvia faz questão de ser a ouvinte da filha. Todos os dias, Valente – como Anna é conhecida no colégio Santa Inês, devido aos longos cabelos cacheados e ruivos, parecidos com o da personagem do filme com este nome _ chega da escola e rea com ela o que aprendeu em sala de aula. Já era assim desde o ensino fundamental, mas se intensificou.
— Aprendo sobre biologia, física e química. Escuto sempre. Neste momento de tensão pré-Enem, acredito que ajuda estar disponível. Tento ser a maior incentivadora das escolhas feitas por ela — confidencia, emocionada, a psicóloga.
Este é um ano de desafios na casa das Schneider. Enquanto Anna Carolina pretende obter notas suficientes para ingressar no curso de Medicina de uma universidade federal, Silvia precisa emagrecer 30 quilos até o final de 2019, por questões de saúde. A jovem tem sido a maior incentivadora da mãe. Juntas, elas cozinham, cantam e assistem a filmes para terem momentos de descontração depois dos estudos.
— A nossa relação baseia-se no diálogo, na confiança, na amizade e na verdade. Uma apoia a outra — ressalta Silvia.
Anna Carolina, que no futuro pretende se tornar médica da família no Sistema Único de Saúde (SUS), não nega ter feito a escolha a partir da experiência pessoal de acompanhar a avó e a mãe em consultas oncológicas por mais de uma década. Silvia também teve câncer de mama e recebeu em março deste ano a confirmação de estar curada.
— Se eu não entrar em 2020 na universidade pública, via Enem, tentarei até conseguir. Quero ser uma médica para aqueles que, realmente precisam. É o meu propósito de vida — garante, confiante, Anna Carolina.
Quando obteve uma das vagas para as aulas noturnas do curso pré-vestibular popular Minervino de Oliveira, em Alvorada, no início deste ano, uma pequena revolução estava começando na vida do vendedor Rafael Cabral, 23 anos, e, consequentemente, da mulher, a assistente istrativa Andriele Lopes, de mesma idade, do filho do casal, Henry, três anos, e da mãe dele, a educadora aposentada Sonide Queiróz, 52.
No início deste ano, Cabral tomou a decisão de voltar aos estudos, depois de mais de cinco anos afastado da sala de aula. Com o apoio da família, ele se inscreveu para as provas do Enem, tornou-se líder de turma no curso popular e, em 2020, pretende ingressar no curso de Letras na UFRGS. Até o início das aulas, ele ainda tinha dúvidas sobre a escolha da profissão – estava entre Jornalismo e Letras. Inspirado nos próprios professores do curso e no trabalho da mãe, que atuou como educadora numa escola de educação infantil durante três décadas, Cabral decidiu ser professor.
— Quero ar adiante tudo o que a educação está fazendo por mim. Meus olhos parece que se abriram depois que voltei à sala de aula, comecei a ver muita coisa que eu negava porque não tinha conhecimento — revela, entusiasmado, para a alegria da mãe.
— Eu sempre dizia: "meu filho, te levanta e vai estudar!", "mete a cara no problema", "bota o rosto na janela e olha tudo o que está ao teu redor". E ele está fazendo — completa Sonide.
No último final de semana de maio, o vendedor enfrentou o primeiro simulado nos moldes do Enem, criado pelo curso no qual está matriculado. As regras foram as mesmas que serão aplicadas na prova real. Cabral levou tão a sério o exame que, no dia anterior, já demonstrava nervosismo à espera da data.
Andriele, ao perceber a mudança de comportamento do marido, buscou lá nos esquecidos o desejo de também se tornar professora. Ela, que trabalha como assistente istrativa e está concluindo o curso técnico de análises clínicas, fará o vestibular de inverno para Pedagogia no Instituto Federal do Rio Grande do Sul (IFRS).
— Até nisso, a educação está nos ajudando. Se o Rafael não estivesse no cursinho dentro do IFRS, eu não saberia deste vestibular — confessa Andriele.
Para ver o filho e a nora buscando conhecimento, Sonide se tornou a babá do neto, Henry. Como a rotina de trabalho e estudo de ambos inicia ainda na madrugada e só termina no final da noite, diariamente, das 6h até 21h, é ela quem cuida do menino. Garante estar feliz com a função, pois é a forma que encontrou para apoiar a decisão do casal.
— O sacrifício é temporário porque sei que ali na frente os dois serão recompensados por todo o esforço deste momento — diz, confiante, a educadora aposentada.
Durante a conversa com a reportagem, Cabral lembrou da promessa feita à professora aos oito anos, quando ingressou pela primeira vez no Palácio Piratini para uma visita com a turma da escola. Inocentemente, afirmou que um dia seria o governador do Estado. Hoje, mesmo não fazendo parte de partidos políticos, ele já não vê aquele desejo como algo inalcançável:
— Antes de voltar a estudar, achava que a minha vida seria trabalhar na mesma função, cuidar da família e olhar tevê. O curso está me fazendo mudar o meu olhar para o mundo. Posso ir onde eu quiser, se eu tiver o conhecimento necessário. Se entrei na sala de aula e mudei, quero ajudar outros a mudarem também.
Quando não está na escola ou percorrendo a cidade em busca de um novo emprego, Guilherme Camini Pinto, 17 anos, de Porto Alegre, aproveita as horas livres do período da tarde para focar nos antigos testes do Enem. É a forma encontrada para reforçar os estudos preparatórios, complementados com as aulas do terceiro ano no Colégio Estadual Protásio Alves.
Em casa, a mãe, Verediana Camini, 44 anos, e o pai, Silamar Pinto, 47, incentivam "sem pressão", garantem, o filho caçula a não desistir de conquistar a pontuação necessária para ingressar no curso de Engenharia Civil no próximo ano. O casal de vendedores autônomos parou de estudar antes de concluir o Ensino Médio e torce para o jovem seguir os os de Jean, 25 anos, o irmão mais velho, que está cursando istração. Verediana confessa já ter sido mais intensa nas cobranças pela preparação do adolescente.
— Hoje, prefiro dar aquela espiada na porta do quarto e perguntar se precisa de algo. Ele já sabe o caminho a seguir, está ando por muita pressão e não precisa de mais uma — explica.
Apesar da aparente tranquilidade, o estudante tem se preocupado ainda mais com o tema da redação do Exame Nacional. Desde o início do ano, ele vem produzindo redações nos moldes da exigida na seleção. Com a ajuda da professora de português da escola, já percebe melhora na composição do texto.
— Como costumo ir melhor nas exatas, sigo focado em melhorar a escrita e compreender as matérias novas que estou aprendendo na escola. Sigo confiante — destaca.
Na escola, Guilherme faz parte de um seleto grupo de estudantes que pretendem deixar o Ensino Médio e ingressar direto na universidade. Segundo ele, a maior parte pretende fazer um curso técnico antes, mais rápido, que garanta uma oportunidade no mercado de trabalho para, depois, se der, tentar uma universidade particular:
_ Muitos precisam trabalhar e acabam deixando a faculdade em segundo plano. Eu, ao contrário, quero conciliar as duas coisas. E o apoio dos meus pais tem sido fundamental.
Todas as noites, quando a técnica de enfermagem Fernanda Casali Soares, 28 anos, abre a porta de casa, em Porto Alegre, e vê o sorriso da filha Luiza, seis anos, confessa recarregar as próprias baterias para enfrentar o terceiro turno de trabalho até a meia-noite, depois de ter frequentado um cursinho durante toda a manhã e trabalhado por seis horas numa unidade de saúde do bairro Bom Jesus.
— A criação da minha filha parte mais do meu exemplo do que da minha fala. Ela está vendo todo o meu esforço e me vê como um espelho — explica Fernanda.
A criação da minha filha parte mais do meu exemplo do que da minha fala. Ela está vendo todo o meu esforço e me vê como um espelho.
FERNANDA CASALI SOARES
Candidata do Enem 2019
Pela primeira vez, a expert em concursos públicos _ já ou em três deles — se inscreveu no Enem. A meta é conquistar a pontuação necessária para cursar Enfermagem, um desejo antigo. Porém, as trocas mais recentes no Ministério da Educação aumentaram o receio dela relacionado à estrutura das próximas provas. Fernanda ainda considera uma incógnita o tema da redação.
Desde a publicação da primeira reportagem, no começo de maio, a técnica de enfermagem intensificou ainda mais o ritmo de estudos. Tanto que o único tempo livre para responder as questões desta entrevista ocorreu a 0h30min da última sexta-feira. Por ter facilidade com a área de humanas, Fernanda reforçou os estudos nas exatas. Cálculos, principalmente.
Em casa, a ajuda do marido, o também técnico de enfermagem Victor Menezes, 32 anos, tem sido fundamental para gerir as tarefas domésticas. Antes da inscrição no Enem, elas já eram compartilhadas. Mas Fernanda reconhece que, agora, as suas maiores preocupações têm sido ajudar a filha nos deveres da escola, pois ela está no processo de alfabetização, e revisar os próprios cadernos e antigas provas do exame.
— A cobrança maior é minha. Me culpo muito, apesar de estar errada, por não ficar o tempo inteiro presente ao lado deles — diz.
Nos finais de semana, quando o marido está de plantão, a avó materna é quem cuida da neta para Fernanda ter mais algumas horas para estudar.
— Ingressar na universidade é o meu sonho, mas quero que a minha filha esteja sempre perto para lembrar e usar no futuro "se minha mãe foi atrás depois de adulta, eu também posso" — finaliza.
O exame
Cronograma