
"Quem dança seus males espanta." O famoso ditado popular não é exatamente esse, mas poderia se aplicar a quem escolhe o movimento para se exercitar, se expressar e, claro, se divertir. Em tempos de uso excessivo da tecnologia, rotinas frenéticas e vínculos frágeis, a dança tem se mostrado uma grande aliada da saúde física e emocional das mulheres.
Estudos científicos já comprovaram que a dança ativa áreas específicas do cérebro relacionadas ao prazer, como o sistema límbico. Diferentemente de atividades físicas repetitivas, como musculação ou caminhada, ela envolve música, socialização e sensibilidade artística – ingredientes que, juntos, estimulam corpo e mente.
— Quando você dança, interage com outras pessoas, segura na mão, olha no olho, conversa. É diferente de fazer um exercício sozinho. Isso gera uma sensação de comunidade, algo que está fazendo falta para muitas pessoas hoje, e a música nos anima e nos motiva. As pessoas procuram a dança como uma atividade porque ela tem essa característica de ser algo social e artístico — explica Aline Haas, bailarina e professora do curso de licenciatura em Dança da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).
A combinação entre ritmo, movimento e coletividade também tem potencial terapêutico, como acrescenta a docente, citando um artigo da Organização Mundial de Saúde (OMS), publicado em 2019, que aborda a importância das artes na melhoria da saúde e do bem-estar.
— A dança, na verdade, não é um exercício físico. Ela é uma atividade artística. Como envolve movimento, gera bem-estar físico. A dança é muito benéfica para a saúde da população adulta. Ela não cura uma depressão, por exemplo, mas pode ser uma intervenção não farmacológica complementar, com impactos reais sobre a saúde mental. Há evidência científica disso — afirma Aline.
E foi nas salas espelhadas de uma aula de dança que a servidora pública Tatiana Salvador, 45 anos, encontrou uma maneira diferente de ter qualidade de vida. Mãe atípica e diagnosticada com depressão crônica, nunca tinha conseguido engajar com outras atividades físicas:
— Sempre me falavam para fazer exercício físico para diminuir o remédio, mas eu não acreditava. É o primeiro exercício que fico quase um ano direto. Senti, pela primeira vez, a tal da endorfina que sempre me falaram. Meu tratamento endócrino melhorou, sou diabética também, e foi a primeira vez em três anos que meus exames deram normais.
Ela diz que a questão da saúde mental também melhorou. Não está curada, "mas as crises am mais rápido".
Lana Aura, 23 anos, estudante de licenciatura em Artes Visuais da UFRGS, diagnosticada com transtorno de personalidade borderline, também entrou em uma escola de dança no início do ano com objetivo de melhorar a saúde:
— A dança foi o primeiro exercício que realmente virou aquela chave de viciar em um exercício. Vejo que faz diferença na minha vida. A dança é o que me distancia do diagnóstico. Mesmo nos piores dias, eu venho e saio sempre melhor. Não é porque emagreci, é porque me conheci. Foi o primeiro o para cuidar de mim mentalmente, e a questão física é secundária.
A dança te estimula de dentro para fora. Ou seja, você é estimulado a externar aquilo que está sentindo. Sejam sentimentos de prazer, alegria, tristeza.
JUNIOR COPPES
Diretor da escola Território da Dança
Aprendendo a se expressar
Encontrar um espaço onde se sintam acolhidas, sem julgamentos, é um dos principais fatores que leva muitas mulheres a escolher a dança como forma de expressão. Carolina Rodrigues Bomfim, uma das sócias da Donz – Escola de Dança, conta que o público feminino é predominante na unidade, são cerca de 400 alunas. Com apenas 1% de alunos homens, segundo ela, o ambiente favorece a afinidade entre as mulheres e facilita o sentimento de inclusão:
— Vemos muito a questão da timidez, que é algo comum. Muitas chegam encolhidas e, com os movimentos das aulas, vão se expandindo corporalmente, percebendo que podem ocupar mais espaço. Sentimos esse desabrochar das mulheres, e acho que essa é a principal mudança: elas se sentirem bem e perceberem que podem experimentar coisas diferentes sem serem julgadas. Elas enxergam aqui um espaço de troca, acolhimento e, principalmente, de incentivo.
Criada em 2017, a Donz já nasceu com o formato de horários flexíveis e foco no universo feminino, oferecendo uma variedade de modalidades como jazz, free funk, stiletto e balé – sem a intenção de profissionalizar ninguém, mas sim de atender à rotina de mulheres adultas que buscam uma atividade leve e diferente.
— Existem muitas mulheres acima dos 25, 30 anos que querem dançar e se sentem fora de um mercado que só atende adolescentes e crianças. Existe uma cobrança em cima das mulheres que depois dos 30 anos sentem que “já estão velhas para muita coisa”. A dança reafirma que somos capazes de ainda fazer muita coisa.
A dança, na verdade, não é um exercício físico. Ela é uma atividade artística. Como envolve movimento, gera bem-estar físico. A dança é muito benéfica para a saúde da população adulta.
ALINE HAAS
Bailarina, pesquisadora e professora
Um exemplo disso é Kellen Cristina da Conceição, 50 anos, que sempre foi ativa fisicamente, mas somente agora, conseguiu realizar o seu sonho de praticar dança sem compromisso, além de ter encontrado um momento para ser ela mesma, sem pensar que é a mãe, filha ou esposa de alguém:
— Consigo conciliar uma atividade extra que adoro e me realiza de verdade. É um momento de autocuidado, em que me desafio, crio vínculos e me sinto realizada de verdade. Todo mundo aqui tem suas rotinas, família, trabalho, mas quando a gente entra, somos apenas alunas.
Tabu cultural
Culturalmente, a dança sempre esteve mais associada ao universo feminino do que ao masculino, o que contribui para a formação de um tabu social.
— Existe um tabu muito grande em relação à dança, que faz com que ela não seja vista como uma possibilidade real para os homens. Muitos acabam optando por estilos em dupla, como forró, tango ou dança de salão. Quando falamos de dança contemporânea ou de ritmos que não envolvem um par, o público feminino é significativamente maior — explica Camila Pinto, professora do departamento de Educação Física, Fisioterapia e Dança da UFRGS.
A pesquisadora Aline Haas complementa:
— Muitas mulheres dançaram quando eram pequenas, porque a dança faz parte da nossa cultura e sociedade. Às vezes, retomar essa atividade de quando eram mais jovens traz prazer.
As mulheres também são mais estimuladas desde cedo às áreas artísticas – como dança, pintura, música – do que os homens, como aponta Junior Coppes, diretor da escola Território da Dança, onde cerca de 70% do público é feminino. No entanto, a dança de salão, o carro-chefe do lugar que existe há 16 anos em Porto Alegre, por formar pares, ainda preserva o equilíbrio entre os gêneros. O que contribui, novamente, à questão da socialização por afinidade.
— Ao entrar em uma escola de dança, você já compartilha com os colegas o gosto pela arte, o que facilita a afinidade e o acolhimento. Costumo dizer que existem dois perfis nas aulas: quem pratica danças de salão ou consome arte no dia a dia, e o público civil, que não tem esse hábito, o que gera diferenças de interesses e vínculos.
Embora muitos alunos entrem com a intenção de aprender a dançar ou praticar uma atividade física mais leve, para Coppes, a dança se torna uma ferramenta de autoconhecimento e expressão, com impacto direto na autoestima, na criatividade, no humor, além de reduzir o estresse e ansiedade:
— A dança te estimula de dentro para fora. Ou seja, você é estimulado a externar aquilo que está sentindo. Sejam sentimentos de prazer, alegria, tristeza. Você começa a conhecer um lado seu que, por vezes, nem sabia que existia. Existe um aumento da extroversão, ou seja, para mulheres tímidas que precisam falar em público, por exemplo, pode desenvolver isso na dança.