
Por três horas, pesquisadores, ambientalistas e operadores do Direito apresentaram à Justiça gaúcha suas perspectivas sobre a polêmica envolvendo a classificação do Guaíba. Realizada como parte do julgamento de uma ação que pede que o Guaíba seja reconhecido como rio, a audiência pública discutiu a diversidade de análises científicas sobre o principal corpo hídrico de Porto Alegre.
Atualmente, o Guaíba é oficialmente considerado um lago — e é assim que a prefeitura de Porto Alegre e o governo do Estado desejam que ele siga. Neste caso, a proteção das margens é de 30 metros para dentro das cidades. Contudo, se a ação movida por ambientalistas obtiver êxito integral, o Guaíba a a ser reconhecido como rio e, assim, ganha até 500 metros de proteção em suas margens.
A pluralidade científica apareceu logo no primeiro pesquisador ouvido. Dilermando Cattaneo da Silveira, geógrafo e professor do Departamento Interdisciplinar da UFRGS, apresentou dados que apontam para um Guaíba híbrido.
— Será que a gente sempre tem que se adaptar aos guias ou os próprios guias podem se adaptar ao que é a natureza? Considero que o Guaíba é rio e lago! E não é nem como alguns colegas brincam: "nossa, ele é não binário, é um Guaíbe". Não, não se trata disso, mas de entender que talvez essas denominações para este complexo todo não caibam. Por isso, inspirado em colegas do Litoral Norte, minha proposição é de um complexo fluvio-deltaico-lacustre — disse Silveira.
Na abertura da audiência pública, a juíza do caso, Patrícia Laydner, apontou que o encontro serve para evitar que uma única perícia responda a uma pergunta complexa como a que foi apresentada na ação.
— Estamos em um caso que envolve uma discussão científica. Se eu nomeasse um perito no processo, eu correria o risco de ter um perito X ou Y com uma visão X ou Y e um resultado X ou Y, dependendo do perito. Justamente, a ideia foi tentar ouvir a comunidade científica, por isso que é uma audiência pública técnico-científica — disse a magistrada.
Tese do rio
O nome mais citado na ação que clama pelo Rio Guaíba é o do professor da UFRGS Elírio Toldo Júnior, que destacou o baixo período que as águas permanecem no Guaíba desde que chegam do Jacuí e outros rios até saírem para a Lagoa dos Patos.
— O que a gente observa é o seguinte: independentemente da vazão ser expressiva ou pequena, o padrão de escoamento é o mesmo, de norte a sul, da superfície das águas até o fundo. Um padrão nitidamente fluvial (de rio). E o tempo de residência das águas do Guaíba é de dias. Um lago tem tempo de residência de meses ou anos — argumentou Toldo.

Tese do lago
Autor do Atlas Ambiental de Porto Alegre, o professor da UFRGS Rualdo Menegat é o principal nome dos defensores da tese do lago. É nela que a prefeitura de Porto Alegre e o governo do Estado se apoiam para tentar, na ação, derrotar o pedido feito pelas entidades de ambientalistas e manter a denominação atual.
— O Guaíba é um lago aberto e a maioria dos lagos no mundo são abertos. Isso pode. Agora, um canal fluvial dentro de um lago, isso não pode — disse Menegat.
Na sequência, o especialista destacou a formação de um delta que contrastaria com a tese de rio.
— Toda essa região de Porto Alegre é deltaica. E essa evidência é contraditória com o modelo do rio. Esse aspecto é importante. Existem evidências que não são contraditórias com o lago. A correnteza, por exemplo. Mas existem evidências que são contraditórias com o rio. Essa é uma — apontou Menegat.
Iporã Possantti, engenheiro ambiental e pesquisador em Recursos Hídricos pela UFRGS, defendeu a tese de lago, mas disse acreditar que o Guaíba precisa, sim, de centenas de metros de proteção em suas margens.
— Eu acho que o Guaíba não é um rio e que o lago é uma boa classificação. E eu posso mudar de ideia com um bom argumento geofísico. Quanto à questão de conservação, eu sou completamente favorável. E eu digo mais: 500 metros é pouco! Isso depende da topografia. Tem lugares que é preciso muito mais, pode ser até um quilômetro de proteção nas margens do Guaíba — apontou Possantti.
