
Um experimento inusitado liderou uma descoberta que pode revolucionar o tratamento contra picadas de cobra. Pesquisadores desenvolveram um antídoto experimental a partir dos anticorpos de Tim Friede, um norte-americano que, ao longo de décadas, foi picado mais de 200 vezes — muitas delas propositalmente — por serpentes venenosas, como mambas e najas.
Os resultados, publicados na revista Cell na última sexta-feira (2), embora iniciais, são considerados promissores.
Sem apoio médico ou científico no início, Friede começou a se autoimunizar ainda jovem, em Wisconsin, nos Estados Unidos. A intenção era criar tolerância ao veneno de diversas espécies.
Ao longo dos anos, ele enfrentou reações severas, incluindo convulsões e febres altas, mas sobreviveu. O experimento, porém, antes visto como imprudente, acabou contribuindo para avanços científicos.
O que os cientistas descobriram
Ao analisar amostras de sangue de Friede, especialistas identificaram dois anticorpos produzidos naturalmente após anos de exposição aos venenos.
Em testes de laboratório, esses anticorpos conseguiram neutralizar toxinas de mais de 19 espécies de cobras.

Os experimentos com camundongos mostraram que os anticorpos ofereceram proteção contra venenos de elapídeos — grupo que inclui mambas, najas e cobras-corais.
Apesar do potencial, a pesquisa está em fase inicial. Isso porque os anticorpos demonstraram eficácia apenas contra venenos dos elapídeos e não funcionaram contra toxinas de víboras, como as encontradas em cascavéis e jararacas.
Desafio dos antivenenos atuais
Atualmente, os antídotos disponíveis são específicos para determinadas espécies e muitas vezes não funcionam em diferentes regiões do mundo, onde as toxinas podem variar significativamente.
Apesar do sucesso, Friede não quer que outros sigam seus os. Após o estudo, ele recusou pedidos de orientação de pessoas que consideram a tal "autoimunização".
— Tim fez algo único na história. Devido ao sucesso deste projeto, não há necessidade de ninguém tentar refazer o experimento — disse Jacob Glanville, um dos autores do projeto, à Science.
Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), picadas de cobra são responsáveis por cerca de 100 mil mortes anuais.