Diretor da Divisão Especial da Criança e do Adolescente (Deca) de Porto Alegre, o delegado da Polícia Civil Raul Vier explica que nem todas as ocorrências registradas por estupro de vulnerável resultam em um inquérito concluído com indiciamento. No entanto, todas as denúncias são investigadas pela polícia.
Segundo ele, parte dos casos pode acabar sendo enquadrada em outra tipificação criminal ou mesmo sendo descartada após apuração e realização de perícias.
O delegado comenta que as denúncias chegam à Polícia Civil por diferentes canais, seja por um relato presencial na delegacia, uma solicitação do Judiciário, do Ministério Público, de alguma instituição de saúde ou mesmo da escola, quando há a suspeita de algum caso de abuso contra a criança ou adolescente.
— A criança geralmente é encaminhada para perícia física e psíquica, ouvimos testemunhas, ouvimos suspeitos, todas as pessoas envolvidas que estão por perto. Coletamos imagens de câmera, registros de celulares apreendidos, HDs. Quando a gente conclui que o fato aconteceu em determinada circunstância e que o autor é aquela pessoa que identificamos acontece o que chamamos tecnicamente de indiciamento — explica.
O delegado ressalta a importância dos laudos produzidos pelo Instituto-Geral de Perícias (IGP). Vier pontua que quando há elementos que apontem para um suspeito em potencial, pode ser pedida a sua prisão à Justiça. Quando o inquérito é concluído com o indiciamento, ele é encaminhado ao Judiciário, onde o Ministério Público pode denunciar o suspeito, que, com a denúncia aceita, se torna réu.
A menina vítima do sequestro e abuso em Tramandaí foi encaminhada para Porto Alegre para receber atendimento especializado no Centro de Referência no Atendimento Infantojuvenil de Porto Alegre (Crai), que trata crianças e adolescentes vítimas de violência sexual.
O espaço, que foi criado há 22 anos, é referência para outros Estados e funciona no sexto andar do Hospital Materno Infantil Presidente Vargas. No local, são recebidas pessoas de até 18 anos vítimas de abuso sexual. Além da Capital, o serviço também existe em outros 17 municípios.
No Crai, a criança recebe atendimento especializado, fornecido por uma equipe multidisciplinar que oferece acolhimento, consultas psicológicas, serviço social, ginecologia, pediatria, perícias físicas e psíquicas. O método aplicado visa proteger a criança ou adolescente de sofrer uma revitimização, sendo obrigada a contar diversas vezes os detalhes do crime e revivendo o trauma sofrido.
A promotora de Justiça Cristiane Corrales, coordenadora do Centro de Apoio Operacional da Educação, Infância e Juventude, destaca que os agressores geralmente são pessoas próximas das famílias das vítimas, o que dificulta a investigação dos casos. Ela acrescenta que essa proximidade costuma dificultar que as famílias percebam o risco ou mesmo que fiquem com medo de denunciar o abusador.
Esses crimes são praticados, na maioria dos casos, de forma intrafamiliar, ou seja, alguém da família, que tem um parentesco com a vítima, criança ou adolescente, ou que convive muito próximo dessa família
CRISTIANE CORRALES
Promotora de Justiça, coordenadora do Centro de Apoio Operacional da Educação, Infância e Juventude
Para a promotora Cristiane Corrales, a conscientização das crianças e adolescentes é uma ferramenta indispensável para o combate a este tipo de crime.
— A escola, a educação, é uma política pública que tem um papel muito importante no sentido de conscientizar crianças e adolescentes numa forma de comunicação compatível com a idade, que aquilo não é um carinho, que é uma violência, porque isso acontece desde a mais tenra idade das crianças — sublinha.
Ela destaca também a importância do fortalecimento dos serviços de saúde e educação, de onde vêm parte das denúncias. O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) prevê que os profissionais da Educação, assim como os médicos, são obrigados a denunciar casos de suspeita ou confirmação de abusos contra criança ou adolescente.
O artigo 245 do ECA prevê multa de três a 20 salários de referência, podendo ser aplicado o dobro em caso de reincidência para quem não denunciar.
— Quando chega ao Ministério Público, rapidamente também ocorre uma atuação verificando que medidas protetivas são possíveis para que essa criança ou adolescente fique em segurança, evitando a revitimização. E para isso, nós precisamos que essa rede de proteção esteja capacitada sobre o papel de cada um, tenha uma comunicação célere, com canais de comunicação e fluxos pré-definidos de conhecimento de todos e funcionando — conclui.
Em dezembro do ano ado, o Ministério Público lançou o Projeto Mãos Dadas, que busca sensibilizar a sociedade gaúcha, a partir de campanhas de mobilização, divulgando o trabalho da rede de proteção e os canais de denúncia de violência contra crianças de adolescentes.
— Nós criamos no ano ado o projeto Mãos Dadas como uma forma de, num eixo, articular uma comunicação, mobilizar a sociedade, para que, em caso de presenciar ou de uma suspeita de violência contra crianças e adolescentes, que denuncie e não se cale, porque isso salva vidas — frisa a promotora.
Há ainda outros sinais físicos, que também podem ser percebidos:
Fonte: Divisão Especial da Criança e do Adolescente (Deca)