Com status de metrópole para a Serra gaúcha, Caxias do Sul enfrenta dilemas típicos de centros urbanos em crescimento. O último Censo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) apontou que o município tem pouco mais de 463 mil habitantes. Já os dados mais recentes do Detran/RS revelam a presença de 351.232 veículos, ou seja, quase um para cada morador. Considerando apenas portadores de Carteira Nacional de Habilitação, são cerca de 268 mil motoristas habilitados na cidade.
A análise desses números, somada a um rápido trajeto pela região central ou por entradas e saídas de bairros em horários de pico, mostra que dirigir no município é uma tarefa complexa. O que deixa claro o estresse que os motoristas am diariamente por ruas, avenidas e estradas que cortam o maior município da região.
— Para além daquilo que o trânsito desperta, precisamos pensar que esse sujeito já vem impactado com outras questões que interferem nesse estresse, como qual é o sentimento desse condutor, se ele está dirigindo com raiva, com pressa, distraído, irritado por outras questões do trabalho ou família. Quando chega no momento de se deslocar, chega impactado por esses sentimentos — aponta Ana Zampieri, psicóloga e pró-reitora da FSG Centro Universitário.
Além disso, hoje, o mundo exige respostas urgentes e presença em diversos locais ao mesmo tempo, com a conectividade por canais digitais. O celular, aliado em tantas tarefas, pode se tornar um vilão no trânsito. Soma-se a isso a imprudência, como uso de bebidas alcóolicas e drogas. E a psicóloga ainda destaca que muitas vezes o ato de dirigir se torna automático.
— Uma das questões que seriam primordiais é que quando estivermos no trânsito, que a gente esteja no momento presente, não pensando ou considerando as coisas que deixamos no trabalho ou em casa.

Mas é claro que há pessoas que não conseguem desviar do trânsito caótico de Caxias, como os profissionais que vivem das ruas. Assim, Ana Zampieri afirma que o autoconhecimento é primordial para uma rotina mais leve e que possa amenizar o estresse.
— O estresse serve para o ser humano como um fator protetivo de algo que consideramos um risco. O motorista profissional está 100% do seu tempo submetido a esse evento estressor, ele não consegue evitar. Mais do que qualquer outro (profissional), ele precisa estar trabalhando no momento presente.
E, a pedido da reportagem, a psicóloga elencou cinco dicas aos motoristas caxienses:
- Planejar o trajeto;
- Atenção ao sono;
- Adotar comportamentos seguros no trânsito;
- Ter momentos de pausa;
- Prestar atenção nos sentimentos.
Das ruas à internet
A experiência de Ricardo de Vargas, 36 anos, mostra como o trânsito de Caxias é campo de trabalho, desafio diário e até oportunidade de reinvenção. Em 2016, ele trocou a manutenção de equipamentos pela entrega de encomendas e criou a própria empresa. Com o tempo, montou uma rede com 20 motoboys e ou a operar também no Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Paraná.
— Antes de sair de casa, todos os dias, fazemos uma oração nós três juntos — conta Ricardo, que divide a rotina com a esposa e o filho de seis anos. — Já tenho algumas demandas agendadas, e vou montando o roteiro com ajuda de aplicativos. É uma entrega atrás da outra.
Preocupado com a segurança, Ricardo instalou uma câmera no capacete logo no início da carreira. O equipamento virou instrumento de comunicação: criou um canal no YouTube para mostrar o cotidiano dos motoboys, orientar colegas e combater preconceitos.
— Muitos veem o motoboy como um perigo no trânsito, mas não dá para generalizar. Tento transmitir uma imagem mais tranquila e dar dicas para quem está começando.
“Uma terapia”
Vem da infância a paixão de Laura Barp, 51, pela direção e as ruas. Ela recorda da infância, quando o pai tinha uma Volkswagen Kombi e realizava a entrega para mercados. Nos intervalos dele em casa, ela, ainda criança, brincava no veículo, imaginando estar pilotando a van.
— Não sei o que eu faria hoje se não dirigisse, isso faz parte de mim. É quase uma terapia, me sinto muito bem e segura — recorda.
Em 2006 ela comprou uma van e começou a fazer serviços terceirizados. Em 2007, montou a sua empresa de transporte escolar. As ruas se tornaram a rotina de Laura. Ela acorda todos os dias por volta das 5h, e uma hora depois já está nas ruas. Atualmente, leva crianças para a escola, e os ageiros são principalmente da Zona Sul. No ano ado, também ou a transportar funcionários de um supermercado, que faz das 21h à meia-noite.
Os intervalos ao longo do dia auxiliam a ter uma rotina equilibrada. Mesmo com todo o estresse que o trânsito pode causar, Laura se diz calma ao volante. Mas a falta de paciência e de noção de espaço das pessoas são alguns dos desafios que ela diz enfrentar diariamente.
— Vamos trabalhar e chegar a hora que precisar, porque não adianta ter pressa. Vamos com calma e fazendo o que dá. Tem trânsito? Vamos esperar. Se dá para desviar, desviamos. E as crianças te copiam, qualquer coisa que tu fizeres, pode ter certeza de que vão chegar em casa e dizer.
É preciso disciplina
Há seis anos, após sair do setor da indústria onde trabalhou por mais de duas décadas, Sedenir Freitas recebeu o convite de um amigo para ingressar como motorista de aplicativo. Pegou gosto e segue pelas ruas de Caxias do Sul até os dias de hoje.
Um dos benefícios que encontrou no serviço de motorista de app é a rotina. Mesmo iniciando cedo no trabalho, por volta das 4h, e só encerrando o expediente às 19h, consegue organizar bem seu dia. Tem pausas para ir à academia, tomar café, almoçar. Além disso, diz gostar de trabalhar com pessoas. E é justamente com essa rotina que Sedenir busca tirar o peso das ruas e evitar absorver o estresse causado pelo trânsito de Caxias do Sul.
— Para mim é muito da disciplina. Eu, como prestador de serviços, por exemplo, estou levando uma pessoa atrasada, ela vem me terceirizar. Eu tento não pegar (o estresse), porque tem muitos problemas, tem morte no trânsito, batidas, injustiças. Tu tens que entender que tem problemas do mundo e problemas teus. No meu alcance, o que eu posso fazer no trânsito, atrás do volante, é ser cuidadoso, gentil.
Além disso, busca na família um refúgio. No início, a esposa estranhou a mudança do regime de carteira assinada para um trabalho autônomo. Mas foi na organização do motorista de aplicativo que foi possível encontrar o equilíbrio.
— Eu consigo planejar as minhas viagens. Feriadão eu paro, na metade do ano quando tem férias da escola eu tiro uma semana para a família, no final do ano eu sempre paro de 30 a 40 dias, depende de como foi o ano. Eu tenho um bom planejamento e trabalho bastante.
Freitas também criou um grupo de WhatsApp para auxiliar os motoristas de aplicativo a melhorarem a sua performance. No canal, ajuda a derrubar alguns preconceitos, dá dicas de trânsito, explica sobre as leis, tudo com o objetivo de melhorar o fluxo do trânsito.
— Hoje nos aplicativos têm muitas pessoas com a ilusão de que vai trabalhar pouco e ganhar muito dinheiro. Eu ajudo as pessoas a entenderem a ferramenta, como ela funciona, uma mentoria mesmo.
Maio amarelo
A Organização das Nações Unidas (UNU) decretou, em 11 de maio de 2011, a primeira Década de Ação para Segurança no Trânsito — atualmente, estamos na segunda (2021 a 2030) — e, com isso, o mês de maio se tornou referência mundial para balanço das ações que o mundo inteiro realiza, conhecido como Maio Amarelo — cor que simboliza atenção e a sinalização e advertência no trânsito.
Para marcar o mês, prédios e monumentos públicos terão iluminação na cor amarela alusiva à campanha, como a própria sede da Secretária Municipal do Trânsito, Transporte e Mobilidade (SMTTM) e o Monumento Jesus Terceiro Milênio. Além disso, servidores da Escola Pública de Trânsito (EPT) e da Fiscalização de Trânsito promovem ações para a comunidade, orientando condutores e cidadãos sobre os perigos do uso do celular e da alcoolemia enquanto se está ao volante.