
A recente doação de uma pianola ao Museu Municipal de Caxias do Sul traz as lembranças de dois personagens diretamente ligados à trajetória da lendária Fábrica de Acordeons Universal: o gaiteiro Pedro Raymundo e o senhor Justo Artibano Dalpian, chefe das oficinas e um dos fundadores da empresa. Confeccionada artesanalmente por seu Artibano, a pianola foi doada pela filha Linéia Maria Dalpian Grazziotin – 67 anos após ser “inaugurada” por Pedro Raymundo durante a Festa da Uva de 1954.
Toda essa história foi recordada por dona Linéia em uma entrevista ao Banco de Memória do Arquivo Histórico Municipal João Spadari Adami. Destacamos parte do relato original:
“Meu pai era de Veranópolis. Quando ele nasceu, 18 de outubro de 1915, era Alfredo Chaves ainda. Na certidão de nascimento é Alfredo Chaves, depois virou Veranópolis. O pai, ainda muito novo, foi morar em Porto Alegre. Meu pai tinha um defeito físico, quando pequeno ele teve poliomielite e, então, ele não conseguia usar uma das pernas, ele usava muleta. Na época, ele não tinha condições de trabalhar na terra, que era o que todo mundo fazia. Daí, ele se interessou por acordeões, gaitas e foi morar em Porto Alegre para trabalhar na Fábrica de Acordeons Irmãos Veronese. Na época, os acordeons estavam muito em moda. O meu pai era metido a inventor, muito curioso e então ele aprendeu bastante sobre gaitas, ele tinha condições de fazer uma inteira com todas as partes que precisava na gaita, a música, a caixa, o fole, tudo o que necessitava. E como na época ele era considerado uma pessoa que conhecia muito sobre acordeon, aqui em Caxias eles começaram a fábrica, a empresa Acordeons Universal, então convidaram o meu pai para ser sócio. Aí meu pai se mudou para Caxias. Eu tinha dois anos”.

Pedro Raymundo
A chegada do pai a Caxias, segundo dona Linéia, deu-se após sete anos de atuação de seu Dalpian na Fábrica de Acordeons Irmãos Veronese, surgida em Veranópolis em 1900 e instalada em Porto Alegre em 1930:
“Sim, (ele veio) a convite desse grupo que estava formando a Acordeons Universal, porque os outros sócios entendiam pouco de fazer gaita, meu pai entendia bastante, então eles foram atrás de uma pessoa que tivesse condições de ensinar para todos eles como fabricar as gaitas. Eu sei que ele veio pra cá em 1948, eu sei porque eu tinha dois anos. O pai fazia quase todas as gaitas do Pedro Raymundo. Fazia, consertava, ele vinha seguido para Caxias atrás das gaitas. Essa pianola foi feita em 1954, porque a Acordeons Universal tinha um estande na Festa da Uva, ainda quando os pavilhões de exposição eram ali onde é a prefeitura, ali na Alfredo Chaves. Então foi feita essa pianola, e o Pedro Raymundo veio para um show naquela Festa da Uva. Primeiro, ele foi lá no estande, inaugurou a tal da pianola, depois foi pro show. Onde é a Câmara de Vereadores, tinha um palco, tipo uma concha acústica, e no outro lado tinha os pavilhões da Festa da Uva. Então o show foi nessa concha acústica. Foi a inauguração daquele espaço”.

A edição interminável
Conforme já abordado neste espaço, a Festa da Uva de 1954 foi apelidada de a festa interminável. Iniciada em 28 de fevereiro de 1954, tinha previsão de encerramento um mês depois, em 28 de março. Porém, estendeu-se até o dia 18 de abril, somando 51 dias de programação, um recorde mantido até hoje.
Parte de todo esse sucesso de 67 anos atrás deveu-se ao novo e moderno parque de exposições, construído na Rua Alfredo Chaves, e à programação artística, da qual o acordeonista Pedro Raymundo foi um dos destaques. As apresentações foram bastante divulgadas na imprensa (foto abaixo).
“Vêm atraindo grande público as atuações de Pedro Raymundo no Auditório da Exposição. Na noite de sua estreia foi numeroso o público que compareceu àquele local, para ver e ouvir o gaúcho alegre do rádio, que obteve também nas noites subsequentes o mais amplo sucesso.” (Jornal “A Época”, 28 de março de 1954)



Uma visita em 1949
Uma das poucas fotos do acordeonista Pedro Raymundo com o senhor Justo Artibano Dalpian foi captada durante uma visita do músico à Fábrica de Acordeons Universal em janeiro de 1949. A recepção foi acompanhada por representantes do jornal Pioneiro, surgido em 1948, e da Rádio Caxias, inaugurada em 1946.
Na imagem que abre esta matéria vemos Pedro Raymundo (E) conferindo os instrumentos, junto aos diretores Iris Longhi e Justo Artibano Dalpian (terceiro à esquerda). Ao centro está o sr. Idail (representante da casa Beethoven, de Porto Alegre), seguido de Almir Rojas (Rádio Caxias), Onil Xavier dos Santos (Pioneiro) e do diretor comercial da Universal Guido D’ Arrigo (à direita).
Conforme matéria do Pioneiro de 20 de janeiro de 1949, o músico salientou a fama da marca e elogiou o acabamento e a técnica empregada na produção, uma impressão que deixou Longhi e Dalpian bastante satisfeitos.
Detalhe 1: durante a visita, Pedro Raymundo encomendou um Acordeon Universal Cromático no valor de Cr$ 13 mil, “o qual contém todos os registros de mudanças de vozes, inclusive o registro de voz trêmula, que é uma criação exclusiva dos Acordeons Universal”.
Detalhe 2: em 1949, a Universal patrocinou duas apresentações de Pedro Raymundo em Caxias. Os espetáculos ocorreram no Recreio Guarany e no Cine Theatro Apolo – que no início dos anos 1950 ressurgiria rebatizado de Cine Theatro Ópera.
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