Um ponto, uma correntinha e o primeiro nó. Assim começa qualquer trama de crochet, mas poderia ser a vida. Fui criada por mulheres que se reuniam, em dia de filó, para tricotarem, bordarem, crochetarem e falarem da vida e dos problemas. Invariavelmente eu era convidada a desmanchar os nós. Então me sentava no chão e não sei explicar de onde vinha a paciência, coisa que tenho até hoje (embora nunca saiba se isso é bom ou ruim) e desamarrava as linhas. Separava as cores, desfazia os nós e criava rolos novos de linhas já usadas. Sempre sob o olhar vigilante de minha mãe que me dizia, enfaticamente, que eu estava proibida de usar tesoura. Ou seja, era preciso descobrir onde estava o nó e ter a habilidade afrouxá-lo. No meio do aparente caos, em que todas as linhas estavam misturadas, o milagre, uma a uma iam tornando-se um fio solto, outra vez.
Há anos elas não se reúnem mais, por circunstâncias da vida, mas todo outono reatualizo aqueles encontros, tecendo minhas próprias peças. Desmanchando peças antigas em que as linhas ainda estão boas ou fazendo novas. E, claro, sem ajuda de tesoura. Me sento ao sol matinal e com paciência, desenlaço a trama.
Acho que meu ofício de psicanalista também é desta ordem. Sentamos juntos durante a sessão e paciente e eu vamos aos poucos descobrindo onde estão os nós, como desatá-los, afrouxando o nó justo demais, destecendo e tecendo tudo outra vez pela linha-palavra. É preciso aprender a deslizar pelo tempo para compreender aonde a linha-narrativa nos leva. Não há uma solução rápida, como o uso da tesoura, que acelere o processo. Se cortarmos o nó fora, não saberemos como ele foi parar ali e sem aprendermos a estrutura do paciente-artesão a chance de muitos e muitos outros nós reaparecerem da mesma forma, é grande. Por outro lado, seria uma ilusão acreditar que uma vez os nós desfeitos estaríamos “curados” e de agora em diante os novelos estariam sempre organizados e prontos para serem usados. Eis a vida e seu convite diário: fazer e desmanchar nós faz parte de se viver e talvez o aprendizado necessário seja o de aprender a lidar com eles, quando eles aparecerem. O mais bonito disso é que a mesma linha que serviu para fazer um blusão, ao ser desmanchado, pode virar tapete. Há uma transformação, o que era antes volta, mas volta de outro modo. Guarda a linha e a cor de antes, mas o ponto e a forma são outros. Aquilo que descobrimos em análise também é um pouco assim. Nossa narrativa que tecia uma história antes, aos poucos, com amor ético, calma, aceitação e um pouco de poesia, ganha outros contornos.
Desde que me reconheço por pessoa, também faço nós. Me deparo com eles, procuro a ponta certa, respiro profundamente e inicio a jornada. Leve o tempo que levar, a arte de tecer algo não é focada no resultado, mas no processo da tessitura, porque é no nó e no desfazer o nó que nos encontramos com quem somos ou com quem poderemos ser.