Marta Gleich, diretora-executiva de Jornalismo e Esporte e secretária do Conselho Editorial da RBS
Rosane de Oliveira publicou em sua coluna diária neste jornal em julho de 2023 o ranking dos maiores contracheques do Judiciário gaúcho em abril daquele ano: os 10 desembargadores e 10 juízes que receberam as maiores quantias em um mês. Havia contracheques de R$ 343 mil até R$ 662 mil.
Há uma lei no Brasil, a Lei de o à Informação, que garante a visibilidade desses valores. Eu, você, qualquer cidadão pode entrar no site do Conselho Nacional de Justiça, por exemplo, e conferir quanto cada servidor recebe por mês. São informações públicas.
É uma sentença de uma juíza de primeiro grau, que tem independência para exercer seu papel
Rosane explicava o que compunha os valores: desde o salário, ou subsídio mensal, até indenizações de licenças-prêmio. E o que eram as licenças-prêmio? Até 2021, servidores e magistrados do Judiciário tinham direito a três meses de repouso remunerado a cada cinco anos, além das férias anuais de dois meses. O Tribunal de Justiça explicou que, devido ao volume de trabalho, nem sempre foi possível aos juízes, desembargadores e funcionários usufruírem desses três meses de descanso. Então, os valores foram pagos parcelados em três vezes, ou de uma vez só. E isso, entre outras coisas, engordou os contracheques.
Nesta semana, Rosane de Oliveira e o jornal Zero Hora foram condenados a pagar uma indenização de R$ 600 mil, por danos morais, à desembargadora que encabeçava esse ranking. Ou seja: por publicar que a doutora Íris Helena Medeiros Nogueira recebeu em determinado mês o valor de R$ 662 mil, dados verídicos que estão no Portal da Transparência do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, ZH e a colunista são condenados a pagar R$ 600 mil, porque a desembargadora, ex-presidente do Tribunal de Justiça, se sentiu ofendida.
O caso ganhou repercussão nacional. A Associação Nacional de Jornais se solidarizou com a colunista e o jornal e reafirmou o princípio constitucional da liberdade de imprensa e a defesa da ampla transparência. A decisão da juíza contra Zero Hora e Rosane de Oliveira foi notícia no Estado de S.Paulo, na Folha de São Paulo, na Veja, na Gazeta do Povo, na Globonews, na Band, na CNN, na Carta Capital e gerou pronunciamentos na Câmara Federal, Assembleia Legislativa e Câmara de Vereadores de Porto Alegre.
É uma sentença de uma juíza de primeiro grau, que tem independência para exercer seu papel, assim como a desembargadora Íris tem todo o direito de entrar na Justiça. Zero Hora e sua colunista, baseados na lei, vão cumprir todos os ritos: o jornal e Rosane vão recorrer, e tudo vai ser novamente julgado – pelo Tribunal de Justiça e, se necessário, depois pelo Superior Tribunal de Justiça e pelo Supremo Tribunal Federal. O sistema judiciário é uma instituição sólida, importante e que funciona no país. A própria Justiça tem os mecanismos para que as rés, Zero Hora e Rosane, busquem o direito de informar. As instituições e os poderes brasileiros, Executivo, Legislativo e Judiciário, têm um sistema complexo, mas na imensa maioria das vezes eficiente, como acontece nas democracias. Ao funcionar, protegem os direitos da sociedade.
Zero Hora e seus colunistas, com responsabilidade, serenidade e respeito às leis, seguirão cumprindo sua missão exercida há 61 anos: assegurar a seus leitores o o às informações, inclusive sobre como o dinheiro público, aquele dos impostos, é gasto. A liberdade de imprensa não é algo trivial, é um princípio exercido a serviço da sociedade e um dos fundamentos da democracia, embora muitas vezes as informações trazidas pelos jornais sejam indigestas.