Conforme a Secretaria de Educação de Porto Alegre (Smed), todas as ações seguem acontecendo, sendo adotadas pelas escolas conforme suas realidades.
Na rede estadual de ensino, foi estabelecido um sistema de avaliação diagnóstica do desempenho dos alunos que, posteriormente, se estruturou em um Centro de Educação Baseada em Evidências, com o qual dados ligados ao perfil do estudante atendido são utilizados na tomada de decisões.
No primeiro teste do Avaliar É Tri, em 2021, foram identificadas lacunas de aprendizagem nas áreas de matemática e língua portuguesa ocorridas no ano anterior, o que culminou no programa Aprende Mais, que contou com formação e remuneração diferenciadas para professores e orientadores trabalharem com a recomposição de aprendizagens.
A medida foi acompanhada pelo aumento da carga horária semanal de matemática e língua portuguesa e da contratação de 4 mil novos docentes, e da produção de material didático de apoio. Ainda na área pedagógica, os Estudos de Aprendizagem Contínua envolvem intervenções pedagógicas durante o calendário de aulas e uma semana de estudos intensivos ao final de cada trimestre, com o intuito de recuperar lacunas de aprendizagem que ficaram naquele período.
A Secretaria Estadual de Educação (Seduc) também distribuiu Chromebooks para docentes, coordenadores pedagógicos e alunos. Para qualificar a infraestrutura, destinou R$ 503,2 milhões nos últimos quatro anos às instituições em um modelo que visa agilizar os trâmites para a realização de reparos. Criou ainda, no final de 2021, o programa Todo Jovem na Escola, que destina bolsas para estudantes do Ensino Médio em situação de vulnerabilidade social, a fim de prevenir o abandono e a evasão escolar.
Já o governo federal lançou, em junho do ano ado, o Pacto Nacional pela Recomposição das Aprendizagens. Focada em oferecer apoio técnico e financeiro para estados e municípios implementarem ações e programas que alavanquem os níveis de conhecimento de crianças e adolescente, a iniciativa foi criada a partir do diálogo com especialistas e gestores públicos como uma resposta ao agravamento da desigualdade educacional registrada desde a pandemia.
A medida é dividida em cinco eixos: reorganização curricular, avaliação das defasagens, desenvolvimento de práticas pedagógicas, formação de educadores para a recomposição de aprendizagens e oferta de uma plataforma com materiais suplementares.
Para além das redes de ensino, dezenas de entidades ligadas à educação se engajaram desde o início da pandemia no desenvolvimento de ferramentas e estudos que identificassem as falhas de aprendizagem deixadas pelo período de isolamento social e ajudassem a superar esses déficits.
Entre os especialistas, há alguns consensos: estudantes mais pobres, que não possuíam computadores individuais e internet em casa, tiveram perdas muito maiores. Eles demandarão um olhar intersetorial do poder público por muito tempo e, mesmo assim, provavelmente terão algumas lacunas irrecuperáveis.
O Brasil foi um dos países que ficaram mais dias sem aulas nas escolas (durante a pandemia). Isso gerou um desengajamento muito grande dos estudantes
MÔNICA PINTO
Chefe de Educação do Unicef no Brasil
Em setembro de 2022, o Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) lançou um estudo que envolveu estudantes de escolas públicas de 11 a 19 anos, que procurou mapear os efeitos da covid-19 na educação.
Na época, 90% responderam que tinham ado a internet nos três meses anteriores, mas 99% haviam usado por meio de um celular e 68%, pela televisão. Menos de três em cada 10 fizeram o uso em um computador de mesa (28%) ou notebook (25%).
Outro dado que chama a atenção é que 11% dos respondentes afirmaram não estar frequentando a escola, o que representaria cerca de 2 milhões de crianças e adolescente. Entre os que tinham pensado em desistir de estudar nos três meses anteriores, o índice subia para 21%.
— O Brasil foi um dos países que ficaram mais dias sem aulas nas escolas. Isso gerou um desengajamento muito grande dos estudantes. Nem todos eles conseguiram receber atividades pedagógicas ao longo desse período, muitos porque, de fato, não tinham o às atividades, fossem materiais ou por internet. Muitas redes usaram programas de rádio, de TV, levaram materiais apostilados para as famílias, mas sabemos que houve uma perda significativa — sintetiza a chefe de Educação do Unicef no Brasil, Mônica Pinto.
A pesquisa também questionou quais iniciativas os estudantes gostariam que a escola tivesse para combater o impacto da pandemia. Quase todos defenderam que a escola fizesse avaliações para saber o que os alunos já aprenderam (91%), atividades que favorecessem o bom relacionamento entre colegas (89%) e tivesse aulas de reforço escolar (83%) e professores tutores (82%).
— Muitos adolescentes relataram a sensação de que, como tinham deixado de aprender coisas importantes, estavam com dificuldade para acompanhar as aulas. Muitos outros também vivenciaram processos de angústia, ansiedade, sofrimento — cita Mônica.
O Brasil vai ter que dar e para toda a geração impactada pela pandemia
MÔNICA PINTO
Chefe de Educação do Unicef no Brasil
A chefe de Educação do Unicef elogia o Pacto Nacional pela Recomposição das Aprendizagens, do governo federal, por ter sido construído ouvindo diferentes personagens da área educacional e oferecer recurso e e específico para os estudantes afetados.
— O Brasil vai ter que dar e para toda a geração impactada pela pandemia. Teremos nesse coorte crianças e adolescentes que tiveram um atendimento diferenciado. Algumas puderam ter o necessário, outras nem tanto, outras quase nada, e todas estão nas redes. Alguns estudantes vão conseguir retomar o processo de aprendizagem e outros vão demorar mais tempo. Então, é muito importante que isso seja observado por um bom tempo — avalia a executiva.
Professora da Faculdade de Educação (Faced) da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e vice-líder do Grupo Aula: Alfabetização, Linguagem e Ensino, Luciana Piccoli acompanha há anos a realização de estágios de alunos do curso de Pedagogia em escolas, dentro dos quais, com frequência, são realizados projetos com avaliações diagnósticas e intervenções junto às crianças.
Em parceria com a professora Sandra Andrade, no ano ado, foram montados dois grupos de 10 estudantes que estavam no 4º ano e ainda não tinham sido alfabetizados, mesmo não tendo nenhum tipo de deficiência. Quando a pandemia começou, eles cursavam o último ano da pré-escola.
Essas crianças tinham uma autoestima baixíssima. Precisamos, primeiro, fazer um trabalho de recuperação da confiança da criança na sua própria capacidade de aprender
LUCIANA PICCOLI
Professora da Faculdade de Educação da UFRGS e vice-líder do Grupo Aula: Alfabetização, Linguagem e Ensino
Foram feitas atividades no turno inverso às aulas ao longo de quatro meses. Em vez de focar imediatamente em atividades de aprendizagem, as docentes identificaram que, primeiro, precisavam lidar com a saúde mental dos alunos.
— Essas crianças tinham uma autoestima baixíssima. Precisamos, primeiro, fazer um trabalho de recuperação da confiança da criança na sua própria capacidade de aprender, por meio de jogos, brincadeiras, engajamento com a temática da leitura e da escrita, porque esses alunos vêm de um meio social em que a leitura e a escrita são pouco valorizadas — destaca Luciana.
Além de problemas de autoestima escolar, os pequenos apresentavam dificuldades que, se começaram como transitórias, podem ter se tornado permanentes: de acordo com a pesquisadora, as crianças não desenvolveram as funções executivas, conhecidas como memórias de trabalho, utilizada no processo de aprender a ler uma palavra e, depois, chegar ao significado dela, por exemplo.
Elas também mostraram pouca flexibilidade cognitiva, que ajuda o indivíduo a solucionar os pequenos problemas da vida cotidiana, e tiveram dificuldade com o controle inibitório, que permite que, mesmo em ambientes mais adversos, com mais barulho ou movimento, seja possível se concentrar e aprender. Todos esses são obstáculos no processo de alfabetização e aprendizagem como um todo.
— Dificuldades que eram transitórias, como não foram sanadas na janela de aprendizagem certa, que é mais ou menos até os 12 anos, quando o cérebro tem essa abertura para todas as construções, vão se tornando permanentes — alerta a educadora.
Crianças que não se alfabetizaram até o 2º ano do Ensino Fundamental (...) vão precisar de um (...) investimento mais personalizado e de estratégia de pedagógicas diferenciadas
LUCIANA PICCOLI
Professora da Faculdade de Educação da UFRGS e vice-líder do Grupo Aula: Alfabetização, Linguagem e Ensino
Durante a intervenção, após lidar com a baixa autoestima dos alunos, foi executado um trabalho que a professora descreve como "artesanal", que envolveu a busca por propostas que, de fato, gerassem conexão e engajamento daquelas crianças, algumas das quais já eram pré-adolescentes. O uso de múltiplas estratégias, com metodologias diferenciadas e personalizadas conforme as necessidades de cada estudantes, gerou avanços na alfabetização das crianças participantes.
— Crianças que não se alfabetizaram até o 2º ano do Ensino Fundamental, que é a meta da BNCC (Base Nacional Curricular Comum), vão precisar de um atendimento, uma mediação, um investimento mais personalizado e de estratégia de pedagógicas diferenciadas. Se não, elas vão chegar ao 5º, 6º, 7º, 8º, 9º ano ainda não alfabetizadas. Então, é essencial que as escolas ofereçam o que nós buscamos oferecer nesta pesquisa — recomenda a docente da UFRGS.
Apesar dos alertas com tom de gravidade, a professora universitária trouxe uma boa nova: no ano ado, ela e seu grupo trabalharam com um 2º ano do Fundamental "com cara de 2º ano", coisa que não ocorria há muito tempo.
Nessa turma, foi possível trabalhar a fluência leitora, a consolidação da ortografia e até a produção textual, o que tem sido avançado demais para os pequenos que chegam a essa série. Entretanto, entende que o mérito, nesse caso, é das professoras, e não de um projeto de rede.
Entre iniciativas de sucesso nas redes municipais, Luciana cita o projeto Letralândia, em Porto Alegre; o Ateliê Alfaletrar, em Novo Hamburgo; e o Apoiar, em o Fundo — todas são iniciativas de escolas específicas, e não políticas de rede, o que ainda falta, na opinião de Luciana.
Jackson Almeida, analista de Políticas Educacionais do Todos Pela Educação, pontua que as redes que investiram de forma assertiva em ações de recomposição de aprendizagens, com avaliações diagnósticas e atividades de reforço, tiveram bons resultados.
Outras iniciativas positivas foram a ampliação do tempo de aula, a oferta de tutorias e a criação de políticas específicas de formação docente e de materiais didáticos.
Ainda que seja fundamental viabilizar a alfabetização das crianças que progrediram de séries sem ela — afinal, saber ler e escrever é essencial para aprender qualquer outra disciplina —, Almeida aponta para uma preocupação especial com os estudantes que, hoje, estão no Ensino Médio.
— O jovem que está no Ensino Médio vivenciou as outras etapas no período pandêmico com um modelo mais híbrido. Alguns dados do Saeb e do Ideb mostram que, por mais que nos Anos Iniciais já haja desafios relacionados à aprendizagem, esses desafios vão escalonando conforme as etapas vão aumentando — avalia o analista.
Mesmo tendo identificado iniciativas positivas e eficazes de combate ao impacto da pandemia em redes de ensino de diferentes partes do Brasil, Almeida afirma que, hoje, é difícil saber se as políticas implementadas se mantêm. Destaca, ainda, que existe uma demanda na área de saúde mental nas escolas que precisa ser considerada, e que o ideal é que todas as instituições tenham psicólogos próprios.