Quem vê a imagem de uma mulher com uma coroa sobre os cabelos loiros e a faixa com o título de Miss Universe Rio Grande do Sul enxerga apenas uma das múltiplas facetas de Júlia Guerra, vencedora do concurso realizado no último domingo (25) em Porto Alegre.
Em entrevista a GZH (confira abaixo), a modelo e quiropraxista mostra ser alguém que não tem medo de ser vulnerável – revelando um relacionamento que abalou sua autoestima – assim como não tem vergonha de itir que adora “fazer nada” em casa ao lado de suas chihuahuas, assistindo uma série na TV.
Aos 35 anos, Júlia espera inspirar outras mulheres a se sentirem realizadas e potentes em qualquer fase da vida, usando a sua vitória no Miss Universe RS como exemplo – a gaúcha de Soledade competiu com candidatas jovens, sendo que a mais nova tinha 18 anos.
Já foi casada e se divorciou, características que a teriam impedido de participar do concurso em edições anteriores. Nos últimos anos, no entanto, a franquia atualizou suas regras, tornando-se mais inclusiva: aboliu o limite de idade (que era de 28 anos) e ou a aceitar mulheres trans, mães, grávidas e divorciadas.
— Vivemos uma atualidade em que é preciso parar de colocar a mulher em posição de utilidade. Parece que, quando a mulher chega a certa idade, ela deixa de ser interessante e atrativa, torna-se descartável. Eu quero carregar a bandeira de que podemos ser o que quisermos, no momento que for, porque não temos prazo de validade — afirma Júlia.
Segundo Paulo Linhares, coordenador do Miss Universe Rio Grande do Sul, a inteligência e experiência de Júlia em concursos de beleza – ela foi Miss América Latina em 2013 – foram pontos importantes na escolha do júri:
— Desde que chegou, Júlia mostrou a que veio. É uma mulher determinada, teve uma entrevista fantástica. Já participou de outras franquias, o que lhe proporcionou uma preparação que fez a diferença, além de ser uma mulher madura. O que queremos agora é a coroa do Miss Universe Brasil e vamos fazer de tudo para trazê-la.
Confira a entrevista com Júlia Guerra
Quais foram os pontos mais importantes da sua trajetória até a vitória no Miss Universe RS 2026?
Tenho uma bagagem de vida grande e já ei por muitas coisas. Saí de Soledade com 15 anos, morei em seis Estados, em nove cidades diferentes. Sou graduada em quiropraxia, tenho pós-graduação em gestão em saúde, em neurociência e comunicação e oratória e estou terminando uma pós-graduação em biomecânica.
Nos concursos de beleza, já fui Miss Rio Grande do Sul Latina, Miss Brasil Latina e Miss América Latina. Sou uma das únicas brasileiras a vencer um concurso em etapa internacional nos últimos 20 anos.
Como é o seu trabalho no dia a dia?
Minha vida é bem agitada: trabalho como modelo e sou voluntária no Instituto do Câncer Infantil desde 2012, em Porto Alegre. Sou quiropraxista e tenho minha clínica na Padre Chagas, bairro Moinhos de Vento, atendendo geralmente das 8h às 20h. Vou ter que conciliar com a função de miss, mas não vou parar porque meu dinheiro vem disso.
Já tive clínicas no Rio de Janeiro, em Manaus, então dentro da quiropraxia também sou uma referência e costumo ser convidada para palestrar sobre empreendedorismo. Também dou cursos de oratória e arela para misses de várias franquias.
Você comentou recentemente que viveu um relacionamento desafiador…
Estar onde estive e ganhar o Miss Universe RS foi uma cura interna. Foi como me reencontrar e me reconectar comigo mesma. Quando vocês (reportagem de GZH) vieram no camarim, me viram maquiando algumas tatuagens, não é? Elas falam um pouco da minha dor, pois em todos os momentos de dor, eu decidia me tatuar, como se fosse doer um pouco mais do que estava sentindo. Fui muito machucada nos últimos sete anos, mas consegui sair.
Uma competição é sempre um risco de sucumbir à ansiedade. O que você faz para buscar sua força interior?
É muito difícil. A gente tem que conseguir não se comparar com a outra, saber que a nossa principal rival somos nós mesmas, e saber lidar com a pressão de "Será que eu vou conseguir fazer?". Eu acredito que tudo que ei nesses meus 35 anos me ajudou nesse momento, e pra mim foi essencial ser uma mulher, não uma menina. A menina realmente se perde um pouco mais com a ansiedade.
É preciso estar com o mental sempre muito bem cuidado para não cair na cilada de se colocar numa posição de inferioridade.
JÚLIA GUERRA
Miss Universe RS 2026
Qual será a marca do seu reinado como Miss? Pelo o que você quer ser lembrada?
Quero fortalecer as mulheres na questão do etarismo, mulheres que não se sentem mais pertencentes, suficientes. Também quero levar muito o legado de que somos muito mais fortes juntas, e que quando entramos em competição, ambas perdem. Quando uma mulher deslegitima a outra, deslegitima todas nós, e quando uma fortalece a outra, fortalece todas. Meu reinado será sobre isso.
Como você cuida do seu corpo?
Decidi participar do concurso faz um mês, então o cuidado com o meu corpo vem mesmo da minha história de vida. Faço jejum intermitente e duas refeições, pois é o que tenho tempo de fazer. Tento me alimentar com comidas saudáveis, mas sou louca por hambúrguer, chocolate e, às vezes, saio da linha, mas é a exceção, não a regra.
Nas semanas que antecederam o concurso, eu malhava às 5h30min da manhã. Eu até estava parada com os treinos, porque é muito difícil ser quiropraxista, exige muito do meu corpo, atendo em média 20 pessoas por dia, então não estava tendo tempo ou força para ir à academia. Mas quando decidi ir para o Miss Universe RS, precisei focar.
Qual vai ser o seu foco na preparação para o Miss Brasil 2026? Há algo que gostaria de melhorar?
Agora vai ser o momento de alinhamento com as expectativas. Respeito muito a coordenação e a direção do Paulo Linhares e de quem estiver à frente desse processo, então quero conversar e saber as opiniões sobre o que devemos mudar para que a gente chegue o mais preparado possível ao Miss Brasil para tentar trazer o título.
Com certeza vamos trabalhar idiomas, fazer mais aulas de oratória e manter o corpo. A saúde mental tem que ser trabalhada, porque faz poucos dias que ganhei e já vi que tem hate. É preciso estar com o mental sempre muito bem cuidado para não cair na cilada de se colocar numa posição de inferioridade.
Soube que você atuou no combate à enchente de 2024...
Fiquei na linha de frente da enchente durante 75 dias. Recebi cerca de R$150 mil de pessoas do Brasil inteiro que confiam em mim e queriam ajudar o Estado. Limpei casas, descarreguei mais de 23 carretas. Sou aquela pessoa que se você me disser “vamos”, subo na carreta e trabalho, não vou só para fingir que estou fazendo.
Fui criada fazendo trabalho voluntário, minha mãe é uma referência do Lions, então estava dentro da minha zona de conforto, ajudar o próximo é, mais do que qualquer coisa, minha missão de vida.
Quando ninguém está olhando e a Júlia está em casa, o que ela curte fazer?
Eu sou muito conectada com Deus. Oro muito em casa e fico tendo, realmente, o meu momento com Ele. Mas também gosto muito de fazer nada, curtir uma preguicinha, comer um chocolate, estar com as minhas cachorras e assistir um Netflix. Gosto muito desse “fazer nada” porque o todo o resto da minha vida é muito intenso.