
Foi em um remoto 24 de dezembro. "Venham, vamos dar uma volta pelo quarteirão para ver se o Papai Noel está pelas redondezas". Que ideia. Vá que o Papai Noel e aqui em casa bem na hora que estivermos na rua, pensei, mas não tive coragem de enfrentar o pai. Era uma fedelha de seis anos, sem direito a voto: lá fomos eu e meu irmão em busca do velhinho perdido.
Caminhava pela rua aflita, girando a cabeça de um lado para o outro, até que tive certeza de ter visto, de relance, um pedaço de calça vermelha e bota preta dobrando a esquina. Será? Corremos. Não, não havia ninguém. Está bem, vamos voltar, disse o pai.
Assim que chegamos em casa, adivinhe: "Ele acabou de sair daqui", anunciou a mãe. Era muito sadismo com dois inocentes. "Perguntou por vocês e até tomou um copo d'água, mas não pôde esperar". Corri para a cozinha. Havia mesmo um copo com restinho de água dentro da pia. Segurei-o como se fosse o Santo Graal, mas logo saí do transe, lembrei dos presentes fechados embaixo da árvore.
Prometi para mim mesma que no próximo Natal eu não arredaria pé da sala, mas o ano sempre custava a ar e, até lá, o pai teria outra ideia fantástica para nos tirar de casa, enquanto a mãe retiraria os pacotes de dentro do armário e sujaria outro copo, a fim de nos iludir por mais um tempo.
Eu adorava Natal. A frustração de nunca ter visto Papai Noel não atrapalhou em nada. Me bastava acreditar.
Hoje em dia, o os Natais na casa do sogro do meu irmão. Lá se reúnem nossas famílias, constituídas por idosos, vários maduros entre 40 e 60 anos, dois adolescentes e uma única criança, o Rodrigo, que ainda acredita em Papai Noel, e é fácil entender porquê: todos os anos, meu irmão, bem no meio da noite feliz, dá uma saída, com a desculpa de buscar algo na garagem ou comprar uma bobagem que faltou para a ceia, e retorna caracterizado como o Papai Noel mais lapônico do planeta, a gente jura que as renas estão estacionadas na praça em frente (meu irmão não é gordo, nem tem uma longa barba branca, o que ele tem é um figurino de musical da Broadway e uma performance que o teatro está perdendo).
Rodrigo, se você já for um leitor de crônicas, a tia está brincando, viu?
A realidade não se comove com fantasias infantis, mas mesmo que o verbo acreditar esteja por um fio, é o que nos resta, e agora a tia não está mais brincando. Acreditar que nossa negligência com florestas, mares e rios poderá ser revertida. Que os insanos que promovem guerras terão um instante de sensatez e humanidade, cancelando o inferno. E que somos capazes de abreviar a brutalidade cotidiana, sendo mais gentis e razoáveis uns com os outros, ou adeus, futuro luminoso. Então, mantenhamos a ilusão piscando.