Foi mais uma das inúmeras situações que vivi na minha vida. Não me surpreendi, mas fiquei triste, não por mim, mas pelas pessoas que estão mais fragilizadas e são menos conhecidas e precisam engolir essas agressões sem poder sequer ter amparo da lei e da Justiça. Recebi apoio de negros e brancos que não concordam com aquela atitude. Por outro lado, também vi um silêncio que, intencionalmente ou não, representa uma conivência.

Achas que, daqui a pouco, esse tema pode “esfriar”?
Acredito que falar sobre isso cria uma naturalização do assunto, mas, se não avançarmos, vamos cair na chatice de falar sempre a mesma coisa. O Brasil é formado por descendentes de escravos e de senhores de engenho, por conta da escravidão ter acabado há 130 anos somente, e isso alimenta a prática de racismo. O que vivi não é a causa da tristeza dos negros é o sintoma de uma doença que o branco precisa curar. Para que isso não aconteça novamente comigo ou com qualquer outra pessoa, precisamos seguir dois caminhos: fortalecer para que pessoas negras sejam reparadas pelos impactos da escravidão e conscientizar as pessoas de pele clara de que quem tem pele escura merece as mesmas oportunidades. Se não têm é porque a estrutura social é racista. O fato de termos pessoas brancas na mesma miséria que os negros não é a eliminação do racismo, mas a expansão dele. O racismo é tão agressivo que deixa preto quem convive com preto – e quando falo preto infelizmente é sinônimo de pobre. 

Como tens visto teu trabalho no É de Casa?
Está sendo uma feliz revelação. Recebo centenas de pessoas de todo canto do Brasil dizendo que nosso trabalho tem dado a elas representatividade e voz, o que não é um mérito só meu. Toda nossa família do É de Casa está preocupada em traduzir as realidades invisíveis, dando a elas o mesmo espaço que as comunidades com mais oportunidade. Quem mora no Moinhos de Vento ou na Restinga, no É de Casa, merece o mesmo espaço e o mesmo respeito, e isso cria uma troca entre pessoas que buscam valorizar a vida.

Viraste referência em reportagem sobre o coronavírus em periferias. Como vês esse tema?Volta e meia, quando falo com especialistas, eles me dizem que o coronavírus não escolhe classe ou cor, mas essa democracia da covid-19 deixa de existir quando chega na casa dos pobres, pois quem mora na favela não tem plano de saúde e depende do respirador do SUS, que é insuficiente para atender quem mora no universo de chão batido. O poder público brasileiro é jovem e como todo jovem é inexperiente, às vezes arrogante e inconsequente. Essas características, muitas vezes, são a causa de dores e lutos, mais evidentes em tempos de covid. O poder público deveria ouvir quem está há mais tempo na luta para salvar vidas dentro desses territórios: faculdades, organizações sociais e grupos organizados. A lógica que vem de cima para baixo nunca funcionou, e na covid isso custa vidas... A vida é o maior patrimônio de uma comunidade.

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