— A gente aprende a lidar com o erro, rir dele e tocar a vida. Aprendemos a não levar a vida tão a sério. O que aconteceu não dá para mudar. Podemos lidar com isso e mudar daqui para a frente. É muito legal perceber isso. A vida fica mais divertida e leve — diz Marcelo Paz, 34 anos, programador e líder de equipe.
Paz adquiriu esse aprendizado ao se tornar estudante de improviso – uma prática teatral que incentiva respostas espontâneas e criativas a situações hipotéticas e inusitadas, por meio da linguagem, do movimento ou de outras expressões artísticas. Sempre realizado com, no mínimo, duas pessoas, o princípio fundamental é dizer "sim, e...", jamais negando o chamado para o desafio.
O programador procurou um curso de improviso por ser fã dos Barbixas, grupo de humor referência na área. Ele acredita que as aulas que tem feito há três anos o estimularam para que atingisse o desenvolvimento necessário para ocupar o seu cargo atual. Afinal, segundo o estudante, a prática o ajudou a aumentar a escuta ativa, perceber melhor o ambiente e se colocar no lugar das pessoas, com muito bom humor.
Paz é aluno da escola Improv POA, criada há 11 anos pelo médico Matheus Wilke, que adaptou as técnicas de um curso realizado na USVA – Cultureel Studenten Centrum, vinculado à Universidade de Groningen, na Holanda. O professor, porém, precisou deixar Porto Alegre e se mudar para os Estados Unidos, deixando vários "órfãos" – alunos com a capacidade de contornar problemas.
Quem assumiu os trabalhos foi a dupla Jaque Marques, 39 anos, e Kamylla Lemos, 30. Em comum, ambas trabalham com comunicação, são ex-alunas de Wilke no curso e, claro, entusiastas do mundo do improviso – inclusive, ampliaram os seus repertórios com outros mentores, de fora do Rio Grande do Sul.
— Quando você é adulto, não tem muita possibilidade de errar. No seu trabalho ou na sua vida, se você erra, é um problema. O ambiente do improviso busca o erro para transformar. A gente não tem nada para trabalhar, somente uma palavra que a plateia nos dá e a regra do jogo. Então, nós nos soltamos. A piada acontece a partir de uma coisa cotidiana que pode ser engraçada — explica Jaque.
Na istração das sócias, já se formou mais de uma centena de, agora, dominantes da arte de contornar o inesperado – geralmente com comédia. Porém, muitos que concluem os estudos voltam para repetir tudo de novo: não querem parar de improvisar. A prática é um elemento essencial nesse ramo: quanto mais se improvisa, melhor o improviso.
Mais do que isso, as aulas, de acordo com as sócias do Improv POA, são um espaço de socialização, de amizades e de diálogo. Quando uma dupla está em cena, por exemplo, os outros alunos precisam estar atentos o tempo inteiro para aprender e, também, interagir. Isso faz com que os estudantes deixem de lado as telas e deem mais atenção para o outro humano, por exemplo.
— A procura pelo curso vem aumentando. Acho que para a gente, como adulto, é muito difícil fazer novos amigos, porque não tem escola, não tem faculdade, é só no trabalho. No improviso, existe um ambiente muito legal para fazer novas amizades. O curso ainda vai aumentando com o boca a boca, com um contando para o outro e chamando para participar — destaca Kamylla.
Como é o método
— Vovó, que boca grande você tem! — disse uma aluna, interpretando a Chapeuzinho Vermelho.
— É preenchimento labial — responde o outro, dando vida ao Lobo Mau e arrancando risos dos colegas.
A reportagem de Zero Hora acompanhou uma aula de uma turma avançada do Improv POA – mas com alunos que já estavam repetindo o processo, como Paz. O curso completo possui quatro módulos, com 10 encontros semanais. Ao final de cada etapa, a turma realiza uma apresentação com plateia, que é a formatura. A escola realiza encontros nas segundas-feiras para os iniciantes e nas terças para os mais veteranos. São duas horas de improvisação.
Antes de iniciar os jogos – ou seja, cada desafio de uma apresentação – existe um aquecimento entre os alunos, com exercícios que incentivam a não ter medo de gritar, de pagar mico e de se expor. É o desprendimento de qualquer resquício de vergonha dos corpos dos destemidos alunos. A partir dali, é apenas raciocínio rápido e diversão, totalmente sem roteiro.
No palco, os alunos utilizam roupas confortáveis e a maioria fica de meias ou com os pés descalços. O chão é parte importante dos jogos, visto que, volta e meia, os participantes estão lá, deitados, rolando de um lado para o outro. A brincadeira impera, mas com a responsabilidade de fazer uma entrega cativante. A intenção é ser mais natural que um número de stand-up, que é desenvolvido a partir de um texto ensaiado.
— Nós somos os atores e os roteiristas, fazendo tudo ao vivo — explica Paz. — Acredito que a gente raciocina mais rápido, porque conseguimos coletar a primeira informação que vem na nossa cabeça e jogar para a frente, sem medo de julgamentos. Deixamos de ficar procurando a resposta perfeita.
Nenhuma aula é igual
O palco usado para as aulas é o do Espaço Força e Luz, no Centro Histórico. Cada turma é formada por, no máximo, 14 alunos, prezando pela qualidade de aprendizado e conexão do grupo. Se no primeiro módulo cada jogo dura poucos minutos, a etapa final do curso contempla uma improvisação de mais de uma hora. É o trabalho mais desafiador, mas que, ao ser concluído, mostra que o aluno domina todas as técnicas e pode voar sozinho no universo do improviso.
Este é o objetivo de parte dos estudantes – apresentar-se nos palcos como artista, mesmo que mantenham suas vidas profissionais em outras áreas. É o caso de Roberta Taufer, 38, que é biomédica e está no Improv POA há seis anos, tendo sido aluna de Wilke e, agora, de Jaque e Kamylla. A ideia dela é ficar nas aulas enquanto elas existirem.
— Uma coisa que é ótima é que nenhuma apresentação é igual a outra. As aulas mudam a forma do cérebro funcionar. Você tem coragem de fazer a ideia que tem ou de falar o que pensou, de poder errar e depois fazer certo. É uma evolução no trabalho e como mãe. O improviso faz você se sentir mais confortável com essa questão de se sentar no chão e brincar — afirma Roberta, que é conhecida no grupo como Asbeca.
A gente raciocina mais rápido (...) Deixamos de ficar procurando a resposta perfeita.
MARCELO PAZ
Programador e estudante de improviso
Enquanto a reportagem esteve presente na aula, os estudantes fizeram o jogo do troca — que consiste no improvisador substituir a última coisa que disse por outra — e o do conto de fadas acelerado — reimaginando uma história clássica, com elementos atuais, como o citado mais acima, da Chapeuzinho Vermelho.
Mas existem vários outros que serão apresentados na formatura da turma, que ocorre em 5 de junho, às 19h, no Força e Luz. Os ingressos para a formatura e informações sobre inscrições para as próximas turmas podem ser obtidos pelo Instagram @improv.poa. O módulo para iniciantes custa R$ 600 e qualquer pessoa acima de 18 anos pode participar.
Novos talentos
Mas o improviso não fica somente à Capital. No final de março, Alvorada recebeu uma turma para uma oficina – a primeira totalmente dedicada ao ofício que se tem registro na cidade. A iniciativa foi ofertada pelo coletivo Alvodrama (Associação Artística de Dramaturgia e Música) e, durante dois dias, os interessados puderam ter aulas sobre a arte, de forma totalmente gratuita, com recursos da Lei Paulo Gustavo.
Os encontros foram ministrados por um destaque na cultura alvoradense, o ator Anderson Dravasie, protagonista de filmes realizados no município, como Algo de Errado Não Está Certo (2020). Ele, que estuda artes cênicas desde 2001, tendo experiência inclusive com teatro de rua, também é o intérprete do icônico Teddy Bangornaço, repórter cômico da cidade que viraliza nas redes sociais e demonstra facilidade de improvisar com situações do cotidiano.
— Trazer aulas de improviso é bem importante para o pessoal da cidade, as pessoas não precisam se deslocar para longe, ter um gasto a mais para ir para Porto Alegre, por exemplo. Então, facilita bastante, diminuindo as desculpas para procrastinar. Tem como fazer. E, para mim, é motivo de orgulho poder trabalhar com a autoestima dos alvoradenses — ressalta Dravasie.
De acordo com o professor, que treinou 15 alunos para encarar as improvisações em sua primeira turma – a segunda deve ocorrer em breve, mas ainda sem data definida –, as aulas são para todas as idades. Tanto é que, nesta sua primeira empreitada, havia, entre os aprendizes, Letícia Ribeiro Fernandes, de 10 anos, que quer seguir carreira no mundo dos palcos, tendo inclusive um nome artístico: Letícia Angel.
A mãe da menina, Lia Ribeiro, 37, que é assessora de departamento pessoal, explica que a menina, desde os quatro anos, já dança e, agora, vem demonstrando interesse por teatro e cinema – inclusive, já participou de produções audiovisuais de Alvorada. Motivo de orgulho, a pequena recebe todo o incentivo da família para seguir na carreira artística. E, sobre a oficina com Anderson, Letícia Angel comemora o resultado:
— Eu adorei. Em uma hora de improvisar, eu tinha que imaginar coisas que não se deve fazer sendo um padre de um casamento. Aí improvisei que, na hora de pegar o livro para dizer as palavras que o noivo e a noiva tinham que falar, ao invés de ser a Bíblia, acabei pegando Crepúsculo. Foi muito legal. Já era extrovertida antes, mas, agora, fiquei um pouco mais.
A nova geração de improvisadores vem forte. O único cuidado é o de não ofender ao próximo, fazendo rir de maneira saudável, com o objetivo de que todos saiam da apresentação mais leves e dispostos a brincar.