Todo ano: “Estaria completando o ensino médio, estaria se preparando para o vestibular, estaria entrando na universidade…”.
Todo ano, você sopra velas apagadas, que não voltarão a acender, com o fogo extinto do que poderia ter acontecido.
Todo ano, uma vela é acrescentada — para você fantasiar sobre a memória do futuro que não houve.
Os pais esquecem a morte. O que eles não esquecem é o nascimento. A criança nasceu mais do que morreu.
Então, como alguém ousa censurar seus atos, repreender seu excesso de imaginação, falar para parar de sofrer?
A dor do luto não ensina. Você apenas a a. Não é uma universidade da qual se sai graduado — pelo contrário, emerge-se dela desprovido de sentido. Sem profissão, sem crença sobrevivente, sem a motivação do amanhã.
A inversão do ciclo biológico é uma tristeza que anestesia uma existência inteira. Provoca ranço de despedidas e exéquias, de terno ou vestido escuro. Traz uma aversão suficiente para praguejar rosas e coroas para sempre. Você não aguentará ouvir quaisquer pêsames ou sentimentos. Jamais vai sorrir com todos os dentes.
Foi por isso que torci, no sábado (31), para o PSG vencer a Inter de Milão e conquistar, pela primeira vez, a Liga dos Campeões da Europa, com uma vitória histórica por 5 a 0, em Munique.
E não vibrava porque a equipe alcançou um jogo coletivo maravilhoso, de posse de bola e intensidade, dispensando estrelas milionárias como Messi, Neymar e Mbappé — fora do elenco desde o início da temporada 2024/25.
E não vibrava por nenhum atleta em particular — nem por Hakimi, nem por Donnarumma, ou mesmo pelo brasileiro Marquinhos, ou Dembélé, ou Kvaratskhelia, que conduziram a dominação da esquadra parisiense do início ao fim.
A minha devoção se dirigia à figura do técnico espanhol Luis Enrique, de 55 anos.
No auge da carreira, em 2019, depois de arrebatar a Tríplice Coroa — Champions League, Campeonato Espanhol e Copa do Rei pelo Barcelona —, sua filha Xana, de nove anos, não resistiu ao osteossarcoma, um tipo de câncer agressivo que atinge os ossos.
O ex-jogador e treinador se afastou do trabalho justamente para permanecer com a filha durante o tratamento. Era ela sua fonte de inspiração, quem o acompanhava ao estádio, quem se sentava ao seu lado na casamata para as decisões mais difíceis, quem segurava sua mão ou pedia para subir na garupa para irar a turba de cima.
Tanto que, na vitória gloriosa do Barcelona em 2015, minutos após o título da Champions League sobre a Juventus, em Berlim, uma das cenas emblemáticas do triunfo é Luis Enrique brincando com Xana no gramado. Ela, com a camisa 8 de Iniesta, divertia-se com a bandeira, posava com o troféu e atraía o olhar orgulhoso do pai.
Comovi-me ao extremo quando a torcida do PSG repetiu a cena. Estendeu uma faixa gigantesca com Xana, agora vestida com a camisa do clube francês, fincando o estandarte no centro do campo.
Ela teria quinze anos. E assim, simbolicamente, juntava-se novamente ao pai na comemoração. Luis Enrique também vestia uma camisa personalizada, com a imagem da sua saudosa menina e a frase “We are the Champions”.
— Xana está sempre conosco. Quando se ama de verdade, a pessoa nunca vai embora. Sinto muito a presença dela. Posso me considerar sortudo ou azarado? Eu me considero sortudo. Você pode me dizer: ‘Mas como, se você perdeu sua filha com nove anos?’. Bom, minha filha viveu nove anos maravilhosos conosco. Temos mil lembranças, vídeos, coisas incríveis que ela fazia — explicou Luis Enrique.
E continua fazendo.