As plataformas (como Facebook e Google) têm defendido a tese de que são como uma companhia telefônica, que não é responsável se uma pessoa liga e ameaça outra. essa situação não pode perdurar: as plataformas são meios de comunicação. não podem se eximir da responsabilidade gigantesca sobre a epidemia de notícias falsas, de bolhas de radicalismo, de disseminação de discursos de ódio bem debaixo do nariz delas.

Esse é o ponto nevrálgico. As plataformas têm defendido a tese de que são como uma companhia telefônica, que não é responsável se uma pessoa liga e ameaça outra pessoa. Só que está claro que essa situação não pode perdurar: as plataformas são meios de comunicação. Elas não podem se eximir da responsabilidade gigantesca sobre a epidemia de notícias falsas, de bolhas de radicalismo, de disseminação de discursos de ódio bem debaixo do nariz delas. Se continuarem não querendo ser vistas como meios de comunicação com responsabilidade de publicadores, então teríamos que encontrar uma categoria especial para elas, na pior das hipóteses. Mas, para ser justo, nos últimos dois anos, elas têm tomado medidas. O Facebook acaba de anunciar que terá uma aba de notícias, começou a contratar jornalistas e itir a possibilidade justa e necessária de pagar os meios de comunicação pelas notícias que publica. Isso faz com que seja um publisher. (Nota da redação: A União Europeia aprovou, em abril, exigência de que obras artísticas e intelectuais só sejam compartilhadas no Facebook e YouTube com autorização do autor. Nos EUA, o Google recebeu multa de US$ 5 bilhões por quebra de privacidade. No Brasil, o Conselho Executivo das Normas-Padrão, órgão que estabelece diretrizes para o mercado publicitário brasileiro, reconheceu Google e Facebook como veículos de mídia).

Como o senhor vê a movimentação de países europeus para regulamentar o Facebook?

Pode ser que haja alguns exageros nas regulamentações dos países europeus, mas eles estão na vanguarda do mundo. Resolveram tomar iniciativas muito estudadas que podem estar exageradas em um aspecto, mas você não faz um omelete sem quebrar os ovos. É parte do processo de construção do novo ambiente midiático.

O que é acertado e o que é exagerado na regulamentação europeia?

O Google virou o indexador da grande biblioteca que é a internet. Mas a simples indexação de notícias não é uma violação de direitos de autorais, sobretudo se o Google não ganha dinheiro diretamente com isso. Se ele se tornar um agregador de notícias com intenções comerciais explícitas, talvez mude a situação. Mas acho que a gente precisa entender que o grande negócio dessas plataformas são os dados que extraem da gente, sem nossa autorização. A Europa levantou a questão sobre isso: as empresas de tecnologia não podem pegar dados sobre as pessoas sem autorização. Se o petróleo, nos anos 1920, era o novo ouro, nos anos 2020 o novo ouro são os dados. As plataformas sabem mais sobre nós do que nós mesmos. Não é uma boa isso ser feito sem nenhum controle da sociedade.

Qual o paralelo que o senhor faz entre a cobertura que a imprensa americana faz do governo Trump e a que a brasileira faz da gestão Bolsonaro?

A imprensa nos EUA tem apanhado muito. Trump não tem limites nas mentiras e na manipulação das informações. Ao longo da formação de sua persona pública, Trump chegava a ligar para jornais de Nova York imitando outra voz para sair nas colunas sociais e ter a imagem projetada de rico, bonito e famoso. De outro lado, a imprensa se construiu no século 20 dentro de padrões de objetividade e neutralidade. Mas jornais chegaram a um ponto aqui em que começaram a questionar isso. A imprensa brasileira está ando por momentos similares. O presidente Bolsonaro é um imitador do presidente Trump na fórmula de falar radicalismos e de manter uma campanha de desmoralização da imprensa. Os mesmos jornalistas e meios de comunicação que eram execrados pela esquerda, vistos como parciais, opositores e injustos, agora são execrados pela direita e pelo governo de extrema-direita com os mesmos adjetivos.

JIM WATSON / AFP
“Bolsonaro é um imitador do presidente Trump na fórmula de falar radicalismos e de manter uma campanha de desmoralização da imprensa”, afirma Rosental

O senhor vê diferença na hostilidade a jornalistas durante o governo do PT e agora, no governo Bolsonaro?

O jornalista não existe para agradar aos poderosos, mas sim para incomodá-los. E cumprem o seu papel agora como cumpriram na época do PT. É muito interessante que a Míriam Leitão tenha sido atacada injustamente por petistas e agora seja atacada por bolsonaristas. Isso mostra que ela tinha coerência na essência de seu trabalho. Na época de PT, PSDB, Itamar Franco e (José) Sarney, havia coberturas desagradáveis da imprensa, mas nenhum presidente declarou guerra. É lamentável. Mesmo na ditadura militar, não havia o discurso de que a imprensa é inimiga. Eu me formei jornalista vivendo na ditadura militar, recebendo ligações da Polícia Federal sobre ordem de censura, quando eu trabalhava na Rádio Jornal do Brasil. Recebíamos ligações e depois uma nota do que o governo não queria que fosse posto no ar. Era censura explícita. Alguns jornais foram sufocados à morte por meios financeiros, como o Correio da Manhã, no Rio de Janeiro, mas mesmo assim não havia o discurso de que a imprensa é inimiga, como há hoje nos EUA e no Brasil. É uma situação realmente sem precedentes, fruto de tendência assustadora ao autoritarismo. Aqui nos EUA, qualquer coisa que desagrade a Trump é chamada de fake news. Bolsonaro, com o O Globo na mão, mostrou uma reportagem que o desagradava, da mesma forma como (Hugo) Chávez fazia regularmente ao ir para a televisão, ou o Rafael Correa, no Equador, que rasgava jornal em frente às câmeras. O Bolsonaro não chegou aí ainda, mas está no caminho.  

Um em cada cinco brasileiros vive em uma cidade que não tem jornal para ler. É o caso de 70% das cidades do norte do Brasil. São os desertos de notícia. Qual o impacto disso para a vida dessas pessoas?

Aqui nos EUA, as evidências são grandes. Quando um jornal desaparece, há estudos mostrando que os funcionários públicos começam a aumentar os próprios salários, os contratos de empreiteiras am a ficar mais caros e aumenta a polarização na comunidade.

Como avalia os vazamentos de conversas de procuradores da Lava-Jato e a forma como o Intercept vem conduzindo a cobertura?

A revolução digital criou a possibilidade de esses grandes vazamentos de dados existirem. Não tenho nenhuma dúvida de que o material recebido pelo Intercept é de interesse público e que foi processado com critérios jornalísticos profissionais e éticos. O Intercept pode ter cometido alguns erros, porque é uma apuração humana – sei que houve erro na grafia do nome de uma procuradora, por exemplo. Mas não pegaram a base de dados sem critério. Inclusive, chamaram outros meios para ajudar na investigação. Fizeram o trabalho jornalístico que seria feito por qualquer organização jornalística. Existe uma jurisprudência da Suprema Corte Americana, desde os documentos do Pentágono da década de 1970, segundo a qual uma informação que o jornalista considera de interesse público pode ser publicada mesmo que obtida de maneira criminosa, desde que o jornalista não tenha participado da obtenção. A abominável insinuação de que o Glenn Greenwald poderia ser preso é uma mentalidade de ditador. Em uma democracia, existe essa possibilidade de publicação.

O que é preciso focar para o futuro?

Eu sou muito otimista sobre o futuro do jornalismo. As revoluções são geralmente seguidas por um período de caos. Estamos nessa confusão agora, mas são as dores do parto de um ecossistema midiático novo, no qual o jornalismo vai sobreviver e prosperar. O mundo nunca deixou de ter jornalistas. O contador de histórias é parte de qualquer grupo humano desde o tempo das cavernas. A tecnologia cria problemas, mas depois os seres humanos a usam para criar soluções.

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