Efeitos da pandemia
Quanto ao impacto da pandemia nos casos de burnout, Ana Maria observa que foi grande. A Isma-BR não realiza pesquisas sobre o tema desde 2019, devido às alterações impostas pelo cenário da crise sanitária. As condições de trabalho representam desafios diferentes: existem pessoas que se adaptaram às atividades realizadas de maneira remota, enquanto outras não am a solidão. No retorno ao modelo presencial, também aparecem diferenças marcantes: enquanto alguns estão felizes pela retomada, outros sofrem intensamente.
— Está havendo um período de ajuste agora. Empresas devem priorizar o bem-estar físico do trabalhador que retorna ao ambiente de trabalho, diferenciar quem quer voltar e quem não quer, buscar um núcleo de apoio para quem está se sentindo muito fragilizado, dar mais reconhecimento aos funcionários, mudar o que não funciona — enumera Ana Maria.
A inclusão do burnout na CID-11 também pode ter impacto no âmbito jurídico, uma vez que muitas ações trabalhistas se referem ao tema. Maurício de Carvalho Góes, advogado trabalhista e professor da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS) e da Unisinos, recorda que vêm sendo ajuizadas na Justiça do Trabalho, há anos, ações com pedidos indenizatórios em consequência da ocorrência da síndrome de burnout e também buscando o reconhecimento como doença laboral, o que acarreta a garantia de emprego.
Quanto a indenizações por danos materiais e morais, conforme Góes, também já havia ações de trabalhadores desligados ou não das empresas que buscam indenização pela caracterização da síndrome, o que depende de provas contundentes. O advogado acredita que o impacto maior será na esfera corporativa, com uma mudança de postura por parte do empregador.
— A pandemia, com o trabalho remoto, resgatou uma ideia que não é comum no direito do trabalho: a de não trabalhar só com prevenção, ou seja, com riscos que conheço, mas com precaução, com riscos que não conheço. Não é apenas o empregador contratar seu empregado e cumprir aquilo que está na lei pelos aspectos preventivos das normas regulamentadoras: entrega o equipamento de proteção individual e está resolvido. Em tempos modernos, esses problemas modernos que se transformaram em doença também se refletem significativamente no trabalho. O empregador deve ter mais cuidado com a questão humana — comenta o advogado.
Mas deve ocorrer, conforme Góes, da parte do Ministério Público do Trabalho e dos juízes do trabalho, uma interpretação protetiva do trabalhador em casos de dúvida.
— Agora há uma preocupação da OMS, autoridade no assunto, que está dizendo: atenção, empregadores, isso é uma realidade. Deixa de ser algo excepcional, casual, que poderia acontecer em situações específicas, para acontecer cada vez mais. Se entra no rol da OMS é porque efetivamente é algo que pode acontecer — comenta o docente universitário.
De acordo com Willian Machado, sócio do escritório de advocacia empresarial Fernandes Machado Business Law, o primeiro impacto da mudança para as empresas está relacionado ao afastamento do trabalhador e à estabilidade de um ano obtida no retorno. Ou seja, no período em que o empregado com a síndrome estiver afastado, seu contrato de trabalho permanece ativo e, ao retornar, ele não poderá ser demitido por 12 meses.
Assim, Machado considera que a inclusão do burnout na CID-11 seja algo negativo para as empresas contratantes porque, mesmo que não tenha prejuízo financeiro direto durante o afastamento, elas precisam arcar com outras despesas e lidam com situações de incerteza sobre como organizar seus quadros profissionais:
— A empresa vai ter um impacto financeiro porque, com um trabalhador afastado, será preciso contratar e treinar outra pessoa para a função e, quando o empregado que estava afastado retornar, terá que voltar para o cargo que ocupava antes. Então, ele talvez nem tenha mais função na empresa, mas estará vinculado por mais um ano com estabilidade e dispensá-lo se tornará muito caro.
É por isso que as ações preventivas são tão importantes, afirma o advogado. Para ele, as empresas que ainda não têm esse cuidado mais próximo, precisarão implementar políticas internas para melhorar a comunicação entre gestores e funcionários, criar uma pesquisa de clima e investir em s contínuos, a fim de identificar se seus trabalhadores estão tendo alterações de ânimo ou rendimento.
Na visão da advogada Clarisse de Souza Rosales, sócia do escritório Andrade Maia, o que cria receio nas empresas é o enquadramento automático da doença como algo relacionado ao trabalho e a possibilidade de não haver o contraditório — ou seja, a empresa não poder apresentar provas de que o que foi relatado pelo trabalhador não ocorreu daquela forma. Ela aponta que, em uma primeira análise, sem perícias, podem haver enquadramentos que não sejam 100% adequados para a síndrome.
— Antes, se a pessoa fosse diagnosticada com síndrome do pânico, por exemplo, ela teria que recorrer à justiça provar que seu quadro tem vinculação com o trabalho. Hoje, o burnout elimina a discussão se é ou não algo ocupacional — explica.