Em geral, as barbaridades históricas foram cometidas havendo movimentos que as criticavam, mas que não foram considerados na história oficial.
Professor da FGV
Uma é banir os símbolos do espaço público, como fez a Espanha, que debateu por anos como lidar com as estátuas de Franco, que comandou o país entre 1936 e 1975. Em 2007, o Estado espanhol aprovou a Lei da Memória Histórica, que retirou das ruas todos os símbolos de homenagem à ditadura franquista, fossem monumentos ou nomenclaturas de vias.
A outra saída é ressignificar elogios caducos com uma placa que explique o contexto ou então uma intervenção artística. Em Bordeaux, grande porto do tráfico de escravos na França, nomes de vias com referência a traficantes foram mantidos, mas avisos ensinam o que ocorria na região e prestam outra homenagem: “A cidade de Bordeaux honra a memória dos escravos africanos que foram desumanamente deportados para as Américas”, diz uma placa.
As pessoas podem achar que são ouvidas hoje, mas isso tem chance de mudar amanhã. O secretário de Educação de Rondônia recolheu obras de Machado de Assis porque ‘ofendiam’ a moral local.
GUNTER AXT
Historiador
Já o Paraguai optou por esmagar com um bloco de pedra a estátua do ditador Alfredo Stroessner em Assunção – no caso do país sul-americano, a arte simboliza o desprezo à ditadura.
– Muitas pessoas acham que o debate é tirar estátua de ditador para colocar de guerrilheiro, mas não. É questionar quem é homenageado, por que e por quem, e se queremos manter a homenagem. A escrita da história é sempre feita no presente, e a memória está em disputa. O debate assusta porque parece tirar a estabilidade, mas essa sensação é falsa, porque a sociedade sempre está ressignificando a memória de seus anteados – afirma a professora, que questiona também a necessidade de culto. – Por que a gente precisa de heróis? Isso podia ter tido sentido no ado, mas faz sentido hoje? Será que não tem a ver com uma cultura na qual se espera muita resolução de um único sujeito enquanto, coletivamente, abdica-se de iniciativas?
Em Porto Alegre, o debate também não é novo: um dos primeiros atos da cidade após a proclamação da República (1889) foi mudar o nome da Praça do Império para Praça XV, onde fica o Mercado Público. Mais tarde, certa Rua 10 de Novembro, nomeada para celebrar a ditadura do Estado Novo, tornou-se a Avenida Salgado Filho. Mais recentemente, a Avenida Castello Branco, que homenageia um dos presidentes da ditadura cívico-militar pós-1964, virou Avenida de Legalidade – o novo nome vingou após anos de discussões, mas, posteriormente, a via voltou a celebrar o ditador.
Intelectuais ligados ao movimento negro destacam que personagens homenageados já eram criticados em vida ou à época de sua imortalização, mas vozes de oposição costumavam ser sistematicamente silenciadas. Ou seja: a contrariedade não vem de agora; já estava estabelecida no ado.