Além de servir os clientes, o garçom Sérgio Luiz D’Ávila Pereira, 58 anos, tem outra atribuição: é ele quem mantém o tempo ando. O patrão Antônio Melo deu-lhe a incumbência de dar corda no relógio antigo de madeira exposto no restaurante quando começou a trabalhar ali, há 22 anos. Assim que chega ao Mercado Público, ele dá oito voltas para um lado e oito para o outro.
– Não pode dar corda demais, para não arrebentar – explica.
O relógio foi adquirido há mais de 30 anos por João Melo (irmão de Antônio e pai de João Alberto), que o comprou de um amigo.
– Vamos manter o relógio funcionando para que o Gambrinus continue – diz Pereira.
As válvulas de chope
Na mesma parede do relógio, estão pendurados alguns objetos dourados, de serventia conhecida por poucos. Trata-se de antigas válvulas e bombas de chope.
Até a década de 1980, para extrair a bebida, os garçons batiam a rolha do barril e inseriam a válvula – o mais rápido possível para o líquido não jorrar. Depois, bombeavam a peça para transferir a bebida para o copo. Antes de virar decoração, esse equipamento foi substituído por chopeiras elétricas.
– Agora é barbadinha – graceja Zezinho, garçom há 40 anos na casa.
O quadro negro
Um quadro negro com moldura robusta, exposto no topo de uma das janelas do Gambrinus, anuncia o cardápio do dia – de vários anos atrás. A letra das inscrições ainda é do garçom Jorge de Oliveira, popular Vovô, que teve meio século de Gambrinus e faleceu no ano ado. João Alberto explica que, até a década de 1980, o restaurante não tinha cardápio de papel. Diariamente, Vovô baixava o pesado quadro negro e escrevia os pratos do dia com giz molhado. Mesmo com a adoção de cardápios de papel, decidiu-se manter o quadro exposto, como mais um elemento histórico – apesar de desatualizado.
A cadeira de Francisco Alves
Há dezenas de cadeiras de madeira no Gambrinus, mas é difícil não notar uma em especial. Pendurada a mais de dois metros de altura, na quina da parede, está a cadeira de Francisco Alves, cantor carioca falecido na década de 1950.
A homenagem ao intérprete de Cadeira Vazia nasceu a alguns metros dali, no Restaurante Treviso, reduto da boemia na Capital. Quando vinha a Porto Alegre se apresentar, Chico Alves era visto ali – às vezes, acompanhado de nomes como Lupicínio Rodrigues. Quando ele morreu, em um acidente de carro, o restaurante guardou sua cadeira como lembrança. O Treviso acabou fechando as portas, e o dono da sorveteria que ocuparia o local no Mercado Público decidiu doar a cadeira ao Gambrinus, com o palpite – certeiro – de que ali a história iria se perpetuar.
A pintura revelada na reforma
Uma pintura na parede, revelada durante uma reforma na década de 1990 (acima), foi mantida no centro do restaurante. Além do nome Gambrinus, no registro desgastado está representada a imagem masculina que batiza o restaurante – que em uma versão é tida como a figura mítica que ensinou aos germanos o segredo da fabricação da cerveja, e, em outra, um rei eleito protetor dos cervejeiros. Acredita-se que o desenho tenha sido encomendado pelos fundadores do local, há pelo menos um século.
– Achei o máximo, resgataram parte da história – diz a cliente Maria Cristina Endler.