
Desde que o aeroporto de Porto Alegre ficou debaixo d'água, no dia 3 de maio, inviabilizando as operações, o aeroporto Hugo Cantergiani, em Caxias do Sul, se tornou o terminal com o maior número de voos semanais do Estado. Embora seja uma medida para proporcionar o máximo possível de vazão à demanda de ageiros, a interrupção recorrente das operações por conta da neblina nas últimas semanas reacendeu a discussão por investimentos no principal aeroporto da Serra.
Entre debates e anúncios, duas siglas ganharam notoriedade: Papi e ILS. A primeira significa Precision Approach Path Indicator ou Indicador de Percurso de Aproximação de Precisão, enquanto a segunda se refere a Instrument Landing System ou Sistema de Pouso por Instrumento.
Como os nomes sugerem, ambos são aparelhos de auxílio aos pilotos no momento do pouso, mas o funcionamento de cada um apresenta diferenças (confira na ilustração abaixo). A principal delas é que o Papi é um equipamento de auxílio a pousos visuais. Ou seja, é preciso condições adequadas de visibilidade no momento da aterrisagem. Já o ILS é utilizado com condições atmosféricas adversas. Por conta disso, ou a ser conhecido ao longo do tempo como equipamento antineblina.
O Papi consiste em um conjunto de luzes brancas e vermelhas que indicam ao piloto a altura da aeronave em relação à rampa correta de aproximação até a pista. A relação de cores varia conforme o posicionamento. Esse auxílio é importante para que a aeronave toque a pista no ponto mais próximo possível do ideal. Se a descida for muito alta, o toque pode ocorrer mais à frente, com risco de não haver espaço suficiente para parar. Já se a descida for muito baixa o avião pode tocar o solo antes da pista e até mesmo bater em um obstáculo.
— Com neblina, o piloto não vai enxergar esse equipamento. São luzes que indicam uma rampa visual para o piloto, para ajudar. Ele é um auxílio mais útil nas noites, nos pousos noturnos e visuais. Ele não tem auxílio com neblina, o máximo que ele poderia auxiliar seria no momento em que o piloto sai da camada de nuvens para auxiliar numa rampa e não perder a chance de pouso — explica Jared Jost, professor de Regulamentos de Tráfego Aéreo do curso de Ciências Aeronáuticas da Uniftec.
Já o ILS utiliza um conjunto de antenas e luzes que ficam instalados no entorno da pista. Ele emite uma frequência de rádio que é sintonizada por aviões habilitados a operar com o sistema. Os dados são recebidos por um instrumento no da aeronave que indica ao piloto o eixo da pista e a rampa correta de descida. Por envolver sinais de rádio, a instalação do ILS depende de critérios técnicos rígidos, que pilotos e especialistas apontam que o terminal de Caxias não consegue atender. Além disso, é um equipamento caro de implantar e operar, por isso costuma ser priorizado para aeroportos com grande tráfego aéreo.
A promessa (inviável) do ILS
A primeira menção à implantação de um ILS no Hugo Cantergiani ocorreu há 13 anos, quando o governo do Estado anunciou que faria o investimento. A inexistência do equipamento mesmo depois de tanto tempo é justificada pela inviabilidade técnica do aeroporto caxiense. Segundo os profissionais ouvidos pela reportagem, o espaço físico do aeródromo impede a instalação.
Agora, com o fechamento do aeroporto Salgado Filho, o assunto voltou à tona. No último dia 27, por exemplo, o ministro extraordinário para Apoio à Reconstrução do Rio Grande do Sul, Paulo Pimenta, disse ter solicitado a transferência do ILS instalado no terminal de Porto Alegre para Caxias. O pedido, encaminhado à Agência Nacional de Aviação Civil (Anac) e ao Ministério de Portos e Aeroportos, é para que o aparelho funcione apenas durante a interdição do aeroporto da Capital.
— As pessoas continuam a deflagrar essa história, que é uma história nada embasada tecnicamente. Porque a pista tem 30 metros de largura, porque se exige que um cone de aproximação e existem diversos obstáculos nesse cone que impedem isso. Existem hangares nas proximidades, nas laterais da pista, que impedem isso — alerta o piloto Giuliano Bianchi.
Essas construções no entorno da pista são um empecilho porque podem interferir nos sinais de rádio do ILS, o que inviabiliza o uso, já que não permite ao aparelho ter a precisão necessária.
— Precisa ter uma área determinada ao redor da pista, chamadas áreas críticas, que o sinal não pode ter interferência e Caxias atualmente não consegue oferecer todos esses limites. A instalação dele é bastante criteriosa. Os técnicos do Departamento de Controle do Espaço Aéreo (Decea) têm que vir fazer a avaliação se vai ter interferência, e infelizmente a gente tem algumas edificações muito próximas ali ao aeroporto, a própria movimentação de veículos próximo à pista também pode dar interferência no sinal do ILS — detalha Jared Jost.
Além disso, para evitar, de fato, cancelamentos em Caxias, um ILS precisaria ser de categoria II (existem três). É o mesmo utilizado em Porto Alegre, mas que existe em apenas quatro capitais brasileiras.
A reportagem questionou a Anac a respeito da solicitação de transferência do ILS. Segundo a agência, para virar realidade, é preciso verificar o funcionamento do aparelho devido ao alagamento do Salgado Filho. Se ele estiver em condições, é preciso analisar a compatibilidade com o terminal caxiense e como ocorreria essa transferência, uma vez que os aeroportos têm operadores diferentes. Por fim, a Anac diz que o Decea ainda não recebeu nenhum pedido para o deslocamento.
Pouso por instrumento em Caxias
Apesar das dificuldades com o clima, existem métodos de aproximação por instrumento no Hugo Cantergiani. Eles utilizam o Required Navigation Performance (RNP) ou Performance de Navegação Requerida, procedimento em que a aeronave utiliza localização via satélite e segue pontos pré-determinados em um mapa. Esse é considerado um procedimento de não-precisão e tanto a aeronave quanto os pilotos precisam estar aptos a adotá-lo.
O ILS precisa ter uma área determinada ao redor da pista que o sinal não pode ter interferência e Caxias atualmente não consegue oferecer todos esses limites
JARED JOST
Professor de Regulamentos de Tráfego Aéreo do curso de Ciências Aeronáuticas da Uniftec
O método utilizado em Caxias permite teto de cerca de 100 metros altitude, ou seja, a essa altura, o piloto precisa enxergar a pista. A homologação de uma modalidade mais precisa de RNP poderia reduzir essa altura a 80 metros, muito próximo ao ILS categoria I, o de menor capacidade, que exige 60 metros de altura. Em conversa com a deputada federal Denise Pessôa, o ministro de Portos e Aeroportos, Silvio Costa Filho, disse que a nova modalidade deve ser homologada em até 20 dias.
— Mais do que isso, esse aeroporto não tem o que fazer. E isso não exige qualquer investimento, é simplesmente homologação desse procedimento — observa Giuliano Bianchi.
Caxias do Sul também já utilizou o Very High Frequency Omnidirectional Range (VOR), ou Radiofarol Omnidirecional em Frequência Muito Alta, para auxílio a pousos. Atualmente, contudo, o dispositivo está em fase de desativação porque é menos preciso que o RNP.
Investimentos previstos
Aproveitando a urgência, a prefeitura de Caxias do Sul está acelerando a contratação de melhorias no aeroporto. Com exceção da ampliação do terminal de ageiros com módulos pré-fabricados, as intervenções já estavam previstas em um plano de investimentos que envolveu a contratação de uma assessoria técnica, cuja atuação começou em março. A medida foi tomada após apontamentos realizados pela Anac em uma fiscalização em setembro do ano ado.
Entre as melhorias previstas estão recapeamento da pista e aquisição do Papi, que deve ser instalado nas próximas semanas. Também serão comprados novos aparelhos de raio-x.
As melhorias estão estimadas em R$ 15 milhões e os recursos devem ter origem na própria operação do complexo, em emendas parlamentares e em uma campanha organizada por empresários da região.