
Menos de 500 metros e um intervalo de cinco anos separam as histórias de duas Naiaras que na mesma rua de Caxias do Sul tiveram suas juventudes interrompidas, vítimas de violência sexual.
Foi na Rua Júlio Calegari, no bairro Esplanada, que por volta das 7h do dia 9 de março de 2018 a menina Naiara Soares Gomes, aos 7 anos, foi raptada por Juliano Pimentel de Souza, que a estupraria e mataria. O caso comoveu a cidade e o agressor, autor confesso do crime, cumpre pena de 36 anos, seis meses e 20 dias na prisão.
Também na Júlio Calegari, na primeira madrugada deste ano, Naiara Ketlin Pereira Maricá, 18, foi estuprada e morta dentro de casa, por um homem que a teria conhecido horas antes. Um homem de 26 anos, suspeito do crime, foi preso na última quarta-feira e o caso segue sendo investigado pela Polícia Civil.
É provável que as duas meninas não tenham se conhecido, uma vez que Naiara Maricá, que é natural de Campinas do Sul, município de 5 mil habitantes próximo a Erechim, morava há cerca de um ano no bairro. Diversos moradores, no entanto, guardam memórias das duas Naiaras cujo destino foi marcado por coincidências tão trágicas quanto revoltantes para aqueles a quem sobrou apenas sentir saudade.
- Como o bastante de ônibus aqui pela rua, muitas vezes via a menina indo para a escola. A mais velha eu também lembro de ter visto algumas vezes, geralmente com a filhinha no colo. É muito triste pensar que ambas tiveram um final tão triste e tão precoce, tendo tanto ainda pra viver - comenta Marinês da Costa, 67, recordando ainda que, em 2016, também na Rua Júlio Calegari, o ex-marido matou Márcia Ferrazes, de 31 anos, cobradora da Visate.
Vendedor de espetinhos de carne quase em frente à casa onde houve o crime no último domingo, Gerson Oliveira diz ter visto Naiara Maricá algumas vezes, recebendo a filha pequena na van que a transporta para a escolinha. Mas tem lembranças mais vívidas de Naiara Gomes.
- Eu tinha uma casa de lanches aqui na rua e via ela ar quase todos os dias do outro lado da rua, com a mochila, indo pra escola. A gente não consegue entender o que as pessoas que fazem essas maldades têm na cabeça - lamenta Gerson.
Especialmente para as mulheres que moram ou trabalham na Rua Júlio Calegari, mesmo que se trate de coincidência, os dois casos reforçam um sentimento necessário de vigilância. Dona de uma loja de roupas vizinha à casa de Naiara Maricá, Silvana Aparecida, 38, tem uma filha de 14 anos. A preocupação inerente ao papel de mãe e o esforço para proteger a filha da companhia de estranhos ficaram ainda maiores desde o último domingo:
- Quem é jovem tem todo o direito de aproveitar e fazer festa, mas só peço que se cuide. É só quando acontece uma tragédia como essa que os filhos e as filhas dão razão às mães, que às vezes podem até parecer chatas, mas só querem a segurança deles.
Mais do que um nome em comum e de uma rua que estará associada para sempre às suas vidas e mortes, Naiara Gomes e Naiara Maricá compartilham um destino que enlutece suas famílias, as comunidades onde viveram e todos que sonham com dias em que crianças poderão ir e voltar da escola em segurança e que as mulheres poderão viver sem temer a violência contra seus corpos.