
Reconhecida nacionalmente pela produção de frutas como uva e maçã, Caxias do Sul também abre espaço para um outro tipo de cultivo, mais embelezador e delicado. Trata-se das flores de corte, designação comercial das plantas destinadas ao mercado de eventos e datas comemorativas e que são vendidas "cortadas". Embora ainda tímido, este mercado tem sido visto com potencial para crescimento.
O secretário Municipal da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, Rudimar Menegotto, aponta que, atualmente, boa parte das flores que abastecem o mercado de eventos caxiense, por exemplo, vem de fora do município. Uma demanda que, na opinião dele, poderia ser atendida localmente, ampliando a gama de negócios no município que é o maior produtor de hortifrutigranjeiros do Estado.
— A maioria vem do centro do país. Então, é importante incentivar o plantio. É um novo mercado, um novo produto e nós temos a possibilidade, temos exemplos aqui em Caxias de que é possível produzir flor para o nosso mercado, sim — confirma Menegotto.
O técnico agrícola da secretaria Rudinei Giacomelli lembra que a produção de flores de corte surgiu há alguns anos no município voltada, principalmente, para datas como o Dia de Finados, e se concentrando na região de Vila Cristina. Um cultivo mais tradicional, diretamente no solo, por vezes sujeito a problemas fitossanitários. Agora, a partir de um exemplo vindo da própria cidade — veja mais abaixo —, com uma técnica mais apurada, em bancadas suspensas, com plantio em substrato e protegido por estufa, a expectativa é de que mais pessoas possam se entusiasmar e aderir à produção neste segmento.
— Caxias consome, mas a produção própria é quase zero. Com a produção local, sem depender de transporte e outras questões de armazenagem, é possível até colher e entregar no mesmo dia. Fora que a durabilidade e a qualidade acabam sendo maiores — explica Giacomelli.
Segundo o levantamento mais recente do Instituto Brasileiro de Floricultura (Ibraflor), de 2021, o Brasil conta com cerca de 8 mil produtores de flores e plantas. Juntos, eles cultivam mais de 2,5 mil espécies com cerca de 17,5 mil variedades. As flores de corte representam 15% do total da produção no país. A maior fatia é ocupada pelas flores de vaso (58%), seguida pelas plantas ornamentais (24%). Ainda não há levantamento que mostre o número da produção atual em Caxias do Sul.
De volta ao agro, produtora adota sistema pioneiro na região
Quem ouve a empreendedora Daniela Catuzzo, 35, falar sobre a produção de flores em Vila Seca, com tanto conhecimento e domínio sobre o assunto, pode nem imaginar que o cultivo é quase um recém-nascido para ela e para a irmã Daiane, sócias na empresa Fina Flor. O primeiro plantio de mudas da espécie mosquitinho e sementes de girassol ocorreu no dia 7 de setembro do ano ado. Antes disso, contudo, houve muita pesquisa e estudo sobre o plantio de flores de corte, técnicas mais modernizadas e a demanda do mercado caxiense para este tipo de produto.
Com a ajuda do Sebrae e pesquisa junto à Secretaria Municipal da Agricultura e à Emater, as irmãs optaram pelo cultivo de flores em um ambiente controlado, ou seja, dentro de uma estufa. A técnica utilizada também é considerada pioneira na região para as flores de corte: trata-se de um circuito fechado semi-hidropônico, comumente utilizado para morangos e folhosas. As plantas recebem irrigação por gotejamento e o substrato (material onde as mudas crescem) utilizado é a casca de arroz, considerado neutro e de fácil manejo após o corte. O plantio não é diretamente no solo, ocorrendo em bancadas — na estufa da família, são 20 no total.
Trabalhar com flores enche os olhos, é delicado e embelezador
DANIELA CATUZZO
Produtora de flores e empreendedora
— Toda a água e os nutrientes que a planta não absorve vão para o cano e retornam à caixa d'água. É 100% reaproveitável. Por isso, é um circuito fechado. Tem toda uma questão de sustentabilidade que apreciamos — explica Daniela.
A estufa, localizada em um terreno que antes dava lugar a pés de caqui, é florida com lisiantus (flor ligada à elegância e sofisticação, sendo bastante requisitada em eventos), bocas-de-leão, mosquitinhos, girassóis e, em breve, também abrigará cravos chilenos. As mudas vêm de São Paulo, mas todo o restante do cultivo ocorre por aqui. O girassol, conforme Daniela, é o que tem ciclo mais rápido, estando pronto para o corte em cerca de 60 dias nos meses mais quentes.
Após a colheita - sempre nas primeiras horas da manhã -, as plantas vão para uma câmara fria, onde permanecem até a entrega, geralmente às quintas-feiras. Os clientes da Fina Flor são floriculturas e decoradores de eventos. Além de Caxias, o atendimento já se expandiu para Farroupilha, São Francisco de Paula e São Marcos.
— Eu digo que (o empreendimento em flores de corte) superou as minhas expectativas. Voltar para o agro era uma coisa que eu queria, mas queria voltar com algo diferente (os pais de Daniela cultivam uva e kiwi e ela ficou 12 anos fora da propriedade). A aposta nas flores deu frio na barriga no começo, mas agora está sendo totalmente satisfatório, gratificante. Trabalhar com flores enche os olhos, é delicado e embelezador — avalia a floricultota.
Cultivo que ultraa décadas
O cultivo das flores de corte na propriedade dos Bonatto, em São Luiz da 6ª Légua, surgiu para atender a uma demanda da clientela há mais de 25 anos. Ana, 71 anos, e Raimundo, 74, se recordam que principalmente o público feminino questionava se não havia flores para a venda entre os produtos oferecidos por eles nas feiras.
— A gente dizia que só tinha aquelas do jardim e que não queríamos arrancar. Então, começamos a comprar mudas e plantar. Sempre cuidando e plantando mais e mais. Hoje, temos um pedaço enorme (com diferentes tipos de flores plantadas) e enchemos o caminhão toda semana — revela Ana.
As freguesas não falham, elas vêm olhar as flores e já aproveitam para pegar um rúcula, radicci, um temperinho...
RAIMUNDO BONATTO
Agricultor
Só de roseiras são mais de 600 pés, alguns, inclusive, que ultraam os 20 anos de existência e continuam florindo. Já não é mais necessário adquirir mudas de outros locais, porque do próprio galho da plantas nascem novos pés de rosa. A quem chega para visitar o espaço do casal, Raimundo faz questão de presentear e mostrar a variedade sem espinhos.
— Ninguém sai daqui sem uma flor em mãos — brinca.
Além das rosas, o casal cultiva dálias, margaridas, crisântemos, copos de leite e palmas, a depender da época do ano. O forte da produção são os meses de outubro até por volta de janeiro. Tudo é revendido às sextas-feiras, no Ponto de Safra, que ocorre às sextas em diferentes pontos, como na Rua Treze de Maio, em Lourdes, na Moreira César, próximo à FSG, e na Praça Dante, locais onde o casal faz rodízio para vendas.
— O pessoal chega na feira e já pergunta onde é que está o caminhão das flores — detalha Ana, revelando a alta demanda pelas plantas, que levam beleza e colorido para casas e estabelecimentos comerciais.
Dependendo a época do ano, os dois chegam a comercializar até 300 ramalhetes por sexta-feira. Cada um é vendido a R$ 3. Raimundo diz que as flores, além de diversificar a produção da família, ajudam a atrair a clientela para as verduras e temperos cultivados e vendidos pelos dois.
— As freguesas não falham, elas vêm olhar as flores e já aproveitam para pegar um rúcula, radicci, um temperinho — comenta.
Do cultivo à venda das flores e verduras, tudo é feito somente pelo casal. Na casa deles, ainda há venda de suculentas e orquídeas — estas em maior quantidade, com quase 3 mil vasos à disposição dos clientes e cuja produção foi iniciada há cerca de cinco anos.
Recomeço após prejuízo

A pandemia de coronavírus quase fez com que o agricultor Florentino Dambroz, 70, desistisse do cultivo de flores de corte em Vila Cristina. Sem eventos, proibição de venda na rua e velórios sem cerimônia, entre os anos de 2020 e 2021, ele viu a clientela se esvaziar e centenas de ramalhetes, prontos para venda, serem jogados fora.
— No forte da pandemia, foi sofrido. Tinha mais um tipo de flor, um tal de astra, mas tive que parar. Joguei cinco ou seis estufas fora. Não tinha venda — lamenta-se.
Com a melhora na economia e a extinção das restrições sanitárias, o cenário se mostra mais esperançoso. Mesmo assim, o agricultor teve que reduzir a equipe que trabalha diariamente nas estufas. Hoje, além dele e da esposa Lourdes, 71, um funcionário e dois diaristas atuam no cultivo de girassóis, mosquitinhos e tangos.
O cultivo é feito em canteiros, no método mais tradicional, embaixo de estufas, em um total de 6 mil metros quadrados. Dambroz se recorda que começou a lidar com as flores há 35 anos, com apoio de outro agricultor. Com a saída do parceiro da área de floricultura, há 12 anos, ele decidiu tocar a produção por conta própria.

— Atualmente, a venda é toda terceirizada. Não saio para vender. Os compradores (maioria do Vale do Rio Caí) vêm aqui, compram e revendem para floriculturas e decoradores de eventos — detalha o agricultor, que ainda investe na plantação de milho e na criação de gado na propriedade às margens da BR-116.
Os girassóis exigem colheita diária. Após o corte, vão para a câmara fria, com temperatura de 4ºC, onde finalizam o processo de florescimento em até 15 dias. Os mosquitinhos, por sua vez, são colhidos três vezes por semana, tempo de corte similar do tango.
Oferta local não é capaz de atender completamente a demanda
Proprietário de uma empresa especializada em decoração de eventos, Eduardo Scalcon entende que existe uma grande demanda por flores no município, contudo, a oferta local não é compatível para abastecer completamente o setor. Por isso, a maior parte das flores de corte adquiridas por ele vem de São Paulo — uma minoria é comprada de produtores do Vale do Caí, Bento Gonçalves e Pinto Bandeira.
— São duas questões que vejo aqui na região: a sazonalidade, porque no inverno há baixa ou até nenhuma produção e a própria (questão da) variedade. Não há flores mais exóticas como às vezes buscamos para os eventos que atendemos. Em São Paulo, a produção ocorre o ano inteiro — explica.

Na opinião dele, a cadeia de floricultura em Caxias seria beneficiada se mais pessoas investissem no plantio de flores de corte.
— Entendo que aqui o pessoal sofre bastante com as condições climáticas, perdendo flores quando é muito frio ou tem geada, por exemplo. Por isso, acho que não temos mais produtores. Mas acredito que, se tivesse mais oferta local, além de baratear os custos, teríamos flores de mais qualidade, mais frescas e com mais durabilidade — opina.
Saiba mais
:: As espécies de flores cortadas mais vendidas no país são rosas, astromélias, lírios, crisântemos, gypsophila (mosquitinho), cravo spray e boca-de-leão. Em relação às plantas ornamentais, as preferidas são suculentas, cactus, samambaia, zamioculcas e ficus. Nas de vasos, as principais escolhas são orquídeas, antúrio, azaleia, kalanchoe e violeta.
:: São Paulo é o Estado onde se produz mais flores e plantas (em vasos), como também é o maior consumidor. Por consequência, é a região onde se emprega mais mão de obra familiar.
:: O mercado de flores é responsável por 209 mil empregos diretos no país, dos quais 81 mil (38,76%) relativos à produção, 9 mil (4,31%) à distribuição, 112 mil (53,59%) no varejo e 7 mil (3%) em outras funções, em maior parte como apoio.
Fonte: Instituto Brasileiro de Floricultura (Ibraflor), com dados de 2021.