Há dias em que somos tomados por um enxurrada de memórias. Compartilho a seguir, um texto que escrevi um dia antes do meu pai morrer. O título é “Bom te ver, sabiás e bem-te-vis”. Um brinde às boas lembranças. E o que seria da vida sem elas? Que diariamente possamos encontrar motivos para semear com amor. Porque um dia alguém colherá essa lembrança em flor da cor do amor.
Antes mesmo do primeiro sinal de novo dia, e ainda sob o silêncio da madrugada, quase manhã, naquele instante entre o cessar de ruídos da cidade e o sono profundo dos arinhos, fui acordado de um jeito tão simples, e por isso mesmo sublime:
— Oi, filho...que bom te ver aqui...
Não fiquei comovido só pelo instante. Mas fiquei comovido porque é recorrente esse carinho. Desde que nasci só tenho lembranças singelas do meu convívio com o meu pai. ei com ele por todas as fases dos mais famosos comerciais de televisão que emocionam a todos. Verdade, pode lembrar de qualquer comercial em que se podia ver um pai e filho felizes, era como se fosse na minha casa. Por isso eu sempre chorava de emoção, e sempre recebia um abraço apertado.
Naquele tempo, se eu caísse de bicicleta meu pai tava ali pertinho e me ajudava a levantar, se eu levasse uma porrada no futebol, meu pai ensinava a driblar melhor e fazer finta pra escapar da falta. Agora é um novo tempo. Tempo de me dedicar mais a ele, da mesma forma com que meu pai se dedicava a mim e a minha irmã. É hora de pagar, com amor, as madrugadas de sono que tirei dele, as tardes de sol que ele ava comigo, os domingos de futebol, que ele me levava pra jogar. Agora é a minha vez.
Durante o café da manhã, enquanto meu pai pedia silêncio pra ouvir o canto dos sabiás e bem-te-vis, comecei a preparar o sanduíche dele. Estávamos de costas um pro outro. Ele na cama, eu numa mesa. E me deu a impressão de que eu estava sendo vigiado. Pensei que meu pai estivesse cochilando, mas na real, estava me fitando, com um sorriso cativante. Me olhou e com os olhos cheios de amor, disse:
— Quem bom te ver aqui meu filho...
Me aproximei.
— Bom te ver também pai...
E o pouco que conversamos ali, numa troca de duas ou três frases, foi inesquecível. Mas isso, pelo menos por enquanto, não diz respeito a mais ninguém.