
“Eu me odiei por 26 anos.” É assim que Alexandra Gurgel introduz sua história à leitora em Pare de Se Odiar, livro que trata de temas como o movimento body positive e gordofobia. Nas páginas que seguem, descobrimos como a insatisfação com o próprio corpo fez com que a youtuber, hoje com 29 anos, chegasse a extremos. Aos nove anos, começou a fazer dietas para emagrecer. Com 12, pesquisava sobre anorexia e bulimia na internet. Tinha 14 anos quando foi diagnosticada com depressão. Aos 17, tentou se matar pela primeira vez, algo que se repetiria aos 19.
Quando completou 23 anos, um presente da mãe prometia ser a redenção para os dias de martírio em frente ao espelho. Submeteu-se a uma lipoescultura, e lá se foram nove quilos de gordura, com direito a alguns mililitros reinjetados no quadril e nas nádegas, para ficar mais “curvilínea”. Mas o que viria a seguir era mais uma prova de que a busca de Alexandra não era por um corpo perfeito, e sim por amor-próprio. Três meses depois da cirurgia, tentou se matar novamente.
O doloroso capítulo da vida da jornalista ganhara um ponto final – pois, como conta no livro recém-lançado, é como se aquela Alexandra do ado tivesse ficado para trás. Nascia a Xanda que os mais de 370 mil inscritos em seu canal do YouTube, o Alexandrismos, conhecem bem: sem papas na língua, com uma boa dose de humor e muito a dizer.
Desde aquele episódio, foram três anos até que ela descobrisse que está tudo bem ser gorda. É justamente essa jornada para resgatar sua autoestima e entender o “ódio-próprio” alimentado ao longo da vida que ela narra no livro publicado pela Editora Best Seller. No subtítulo da obra, Alexandra promete responder uma máxima que instiga mulheres que vestem todos os tamanhos de manequins: “Porque amar o próprio corpo é um ato revolucionário”.
De questões corporais como pressão estética e gordofobia ao ideal de mulher perfeita, todo o contexto que leva mulheres a detonar a própria imagem na frente do espelho é destrinchado em Pare de Se Odiar.
– O livro é para todo mundo que tiver um corpo. Porque provavelmente você tem alguma insatisfação com o seu corpo – sintetiza a autora, em um bate-papo de mais uma hora com Donna pelo telefone.

Você já pensou por que, afinal, odeia tanto a própria barriga? E o motivo pelo qual sempre “precisa” perder aqueles três quilos? Essas são algumas das questões que Alexandra se propõe a responder pautada pelo body positive, movimento que prega a aceitação e a equidade corporal, e que mostra que todas as silhuetas podem, sim, ser vistas com beleza. É quase um manual para entender o porquê de nos cobrarmos tanto a perfeição, fardo ainda maior para a mulher gorda, que enfrenta dilemas específicos – que vão desde a falta de roupas que caibam até a inexistência de uma maca no hospital que e seu peso. A tal da gordofobia, um dos temas que Xanda mais aborda canal que mantém no YouTube.
– A gordofobia está muito além da roupa. Mas roupa é o. Gordofobia é a sociedade dizendo o tempo inteiro “emagrece que resolve. Você não cabe aqui. Você não é aceita aqui” – dispara. – Quando a gente fala que resiste, que ocupa, que vai à praia, que faz balada, há quem diga que é mimimi, é frescura. “Quem disse que vocês não poderiam usar biquíni e ir à praia?” Ué, todo mundo. Não há uma placa onde se lê “aqui não entra gordo”. Mas, quando a gente entra, não é aceito. A gente é maltratado. Ninguém tira foto nossa na balada. Não tem roupa para a gente.
Foi revisitando e compartilhando a própria história nas redes sociais que Alexandra conseguiu se livrar de alguns de seus fantasmas – e, hoje, se tornou uma das vozes mais ativas nos debates sobre autoestima e gordofobia, temas que peram a entrevista que você confere a seguir.
– Dei uma guinada na minha vida sem ter que mudar o meu corpo. Está tudo bem ser gorda ou ser magra – pondera. – Quando as pessoas entendem o contexto social em que estão inseridas, já dá uma paz. Elas entendem que podem viver ali sendo quem são. Você vai sofrer, vai ar por situações (difíceis), mas vai ter munição o suficiente para lidar com tudo isso.
Como surgiu a ideia do livro?
O que me motivou foi o convite. Criei meu canal em 2015. Sou jornalista, sempre tive o sonho de escrever um livro. E todo mundo falava que o assunto de que eu tratava no canal valia a pena trazer em um livro. Escrevi em 40 dias, justamente porque uma das coisas que a editora dizia é que o timing é maravilhoso para falar deste assunto. Já tinha muita pesquisa, porque faço isso no meu canal. Não imaginava que seria esse sucesso todo já no começo. O assunto está muito em alta. Não sou apenas eu ou os meus seguidores. É uma necessidade falar de corpo, de padrão, e quebrar tudo isso. Falar que tudo bem ser diferente, ser gorda. Ainda é algo muito disruptivo, que vai contra a maré.

Que mensagem você quer ar?
Queria que a pessoa parasse de se maltratar, de se odiar. Que iniciasse seu processo de desconstrução de tudo o que foi dito e ensinado até hoje. E que comece a se questionar. As pessoas vão seguindo o que aprendem com os pais, no colégio, ou segundo as normas. Por que a gente tem que ser de uma determinada forma? Digo que o livro não vai ser um manual para olhar dicas e dizer na frente do espelho três vezes para aparecer uma fada-madrinha. Não é isso. É um livro em que você se questiona o tempo inteiro. Faço perguntas para que a pessoa trilhe o próprio caminho. Nem na parte das dicas são coisas práticas. É um processo muito íntimo, você com você mesma. Não posso criar uma receita de bolo para a pessoa seguir. Criei um o a o a partir da minha história. Tive que olhar para mim, ver o que fiz e trazer isso para as leitoras.

Nunca se falou tanto em autoestima e amor-próprio. Como você vê esse movimento, que pode ir bem além do corpo?
Autoestima não tem apenas a ver com o corpo. É estar bem com a sua imagem, com a sua vida. Tem gente que divide entre autoconfiança, autoestima... Tudo isso é amor-próprio. Há muita gente que se acha bonita, que gosta do seu corpo, mas tem uma autoestima intelectual baixa. Não se acha boa o suficiente. Tem muita gente padrão que foi me ver, mas que se enxerga de outra forma, tem distúrbio alimentar, de imagem, complexos. Que fazem você se enxergar de outra forma, e também ver os outros de outra forma. É importante esse discurso de autoestima e empoderamento, mas há um problema: parece que todo mundo virou militante do amor-próprio. Sendo que, na hora da gente precisar, a pessoa não está com a gente. Acontece muito a militância de boutique. Temos que problematizar. Já perdi amizade por isso, mas eu critico as pessoas, famosas, gente próxima. Cobrei posicionamentos.
Em que situações do cotidiano você sente a gordofobia?