
Serginho Groisman e a televisão brasileira são quase irmãos predestinados. Filho de um romeno e uma polonesa que vieram para o Brasil pouco antes da Segunda Guerra Mundial, o apresentador do Altas Horas chegou ao mundo – mais especificamente em São Paulo – em 29 de junho de 1950. Menos de três meses depois, em 18 de setembro do mesmo ano, a televisão brasileira surgia.
Como era de se esperar, algum tempo depois, suas histórias se cruzaram. Na década de 1980, o jornalista, que já tinha experiência em rádio e na mídia impressa, estreou na telinha com o TV Mix (1987-1989), na TV Gazeta. Já nos anos 1990, teve agem pela TV Cultura, com o programa Matéria Prima (1990-1991) e, logo depois, partiu para o SBT, onde comandou o icônico Programa Livre (1991-1999) e, assim, assinou de vez seu nome no entretenimento do país – e na história da televisão.
Na virada do milênio, estreou na TV Globo com o Altas Horas, que completa 25 anos em 2025, tornando-se uma referência entre os programas de auditório – ou, como Serginho gosta de enfatizar, “um programa com auditório”, visto a importância que ele dá para a sua plateia.
Neste ano de comemoração pelo aniversário de um quarto de século do seu atual programa, Serginho celebra também os seus 75 anos, sendo uma referência na comunicação com o público jovem e uma das personalidades mais queridas da cultura nacional.
Em entrevista para Zero Hora, ele recorda os primórdios de sua festejada carreira, como enxerga a agem do tempo, a importância das artes e antecipa como serão as comemorações do Altas Horas — que deve seguir firme e forte na grade da TV Globo, já que o apresentador renovou o seu contrato com a emissora até 2027.
Leia a entrevista com Serginho Groisman
Nos anos 1970, você coordenava o centro cultural do Colégio Equipe, em São Paulo, levando artistas, em meio à ditadura militar, para se apresentarem em tempos de dificuldade para encontrarem palcos. Como foi este período?
Comecei a frequentá-lo antes de se tornar colégio, era só um cursinho. E lá tinha um teatro e uma quadra, e comecei a projetar alguns filmes, na época proibidos, e que eu conseguia. Em determinado momento, alguém falou: "Você não quer apresentar música aqui também?". Eu falei: "Vamos". E aí não parou mais. Foram nove anos, de 1971 a 1980. Praticamente todo final de semana tinha uma atividade.
Levei artistas que estavam começando na época, que era o Belchior, o Gonzaguinha, o Walter Franco, o Luiz Melodia. Fiquei muito amigo deles na época. Para eles era uma novidade ter um lugar onde podiam ir. A coisa tomou uma dimensão maior do que poderia pensar. Só os alunos que me ajudavam, não tinha estrutura profissional. Esses alunos eram os Titãs, que me ajudavam na bilheteria. O último show foi do Raul Seixas. Foi a época mais dura que a gente teve. Eram professores que iam presos sem saber o porquê. Dias muito difíceis.
Essa questão de ceder espaço para artistas, de fomentar a arte, segue no Altas Horas. Você leva para o programa, muitas vezes, artistas que tiveram seus auges, mas que, hoje, já não conseguem mais espaço na grande mídia. O que te motiva?
Aprendi, principalmente no SBT, que, na televisão, a gente tem que entender quem está nos assistindo para duas coisas. Uma, contemplar o que eles gostam de ouvir e, ao mesmo tempo, desafiar o espectador com coisas novas.
A gente está nessa fase de pegar pessoas que não são tão reconhecidas e fazer especiais. Mas a gente sempre valorizou grupos novos. Muitos começaram comigo: o Chico Science, o Skank, o Charlie Brown Jr. Valorizo essas pessoas que agora não aparecem tanto. É um pouco uma determinação minha de valorizar sempre a música.
Fazer com que a plateia tenha um protagonismo maior do que eu tenho, acho que é um pouco dessa coisa longeva que o programa tem
SERGINHO GROISMAN
Jornalista e apresentador do "Altas Horas"
Como era a sua relação com o Silvio Santos?
Estava na TV Cultura, e muito contente lá. Levava de Paulo Freire à Sepultura. Até que recebi uma ligação do próprio Silvio, para ir conversar com ele. Enquanto a gente conversava, eu não conseguia prestar atenção no que ele estava falando, porque era o Silvio.
Depois de um monte de coisas, ele disse: "Quero que você venha para cá". Eu falei: "Olha, Silvio, só estou vindo aqui para ver você. Não estou pensando em mudar". Ele falou: “Você tem que mudar, porque aqui você vai falar com muito mais gente, mais gente vai ver você. Você vai ter liberdade”. Falei: "Mas isso é que tenho medo aqui. Sei que você interfere muito nos programas”.
Ele falou: "Seguinte, desce aí e fala com o Jô, com a Hebe, com o jornalismo, com a Marília Gabriela. Pergunta se eu interfiro”. Conversei com o Jô e ele falou: "Olha, o Silvio não se mete". Eu falei: "Então, vou ficar aqui". Fiz 2.500 programas. aram um milhão de pessoas pela plateia. Assinava com ele a cada dois anos.
Quando recebi uma oferta da Globo, o Silvio começou a me oferecer tudo, mas tive que optar entre ganhar melhor no SBT ou ter um desafio novo em uma emissora como a Globo. Acho que, mesmo se desse errado na Globo, teria que aceitar, porque senão ia ficar sempre pensando no que poderia acontecer. Então, eu fui e, depois de tanto tempo, sigo aqui.
O Altas Horas chega aos 25 anos em 14 de outubro, sempre conectado com a atualidade. Como você consegue manter a vitalidade e a relevância do programa, sem abandonar o formato, mas atualizando-o? Acredito que seja um desafio duplo, pois, além de apresentador, você é o diretor.
Nunca me dirigi à câmera para deixar algum editorial, dizendo “isso é certo”, “isso é errado”. Acho que, quem me acompanha, sabe como eu sou — pelo menos deduz quais são os meus critérios éticos, culturais, ideológicos. O que faço também é tentar misturar ideias. A gente fala muito de música, mas o programa tem uma parte de entrevistas que tem muita relevância. No SBT, recebi todos os candidatos à presidência da República na época – Brizola, o Lula foi várias vezes, o Maluf, até o Collor, depois do impeachment, foi lá.
Fazer com que a plateia tenha um protagonismo maior do que eu tenho, acho que é um pouco dessa coisa longeva que o programa tem. Não fico lá interrompendo. Claro que, se acontecer algo muito absurdo, eu interfiro. Mas, de modo geral, a ideia é respeitar as opiniões e o confronto. Não importa quem você entrevista, mas como entrevista. A plateia é muito cúmplice.
Com esses especiais homenageando pessoas mais velhas, tenho tido também uma plateia mais velha, não apenas adolescentes. Não adianta fazer um especial dos anos 1980 com uma plateia que não sabe do que se trata. Então, estou formando uma plateia que entenda quem está lá. Mas, majoritariamente, ainda é uma plateia adolescente que participa das entrevistas, porque eles não têm muita barreira. Eles perguntam — e depois se arrependem (risos).
Temos que estar sempre atentos para não perder as pessoas que já conquistamos
SERGINHO GROISMAN
Jornalista e apresentador do "Altas Horas"
Você tem facilidade para se comunicar com o jovem, mas como é o desafio de, agora, conectar-se com essa parcela da população que está cada vez mais capturada pelas redes sociais e pelo streaming? Você trabalha para renovar esse público ou isso acontece naturalmente?
Não tem nada de trabalho, porque nunca quis ser igual à plateia. Não fico tentando entender quais são as gírias do momento. O que eu faço é ser um jornalista em busca de informação. Temos maneiras diferentes de nos informar, mas, hoje, o pior, para mim, é a desinformação – a informação falsa –, que chegou a um nível alarmante. As pessoas pararam de confiar na mídia tradicional e acham que o WhatsApp resolve tudo.
Mas a televisão sofre muito com essas “segundas telas” que existem. Hoje, no celular, você a outras plataformas, que são concorrentes muito fortes da TV. Já tentei trazer pessoas relevantes do YouTube para a TV aberta. Não dá certo. São plataformas diferentes. O que não quer dizer que a gente deva parar de buscar quem está nesses outros espaços.
Temos que estar sempre atentos para não perder as pessoas que já conquistamos. A TV aberta sempre teve uma audiência mais velha, porque esse público gosta de ficar em casa. Mas, agora, precisamos ir atrás e instigar os jovens que estão consumindo conteúdo em outros lugares. E o que eu acho maravilhoso é termos essa possibilidade de escolher o que queremos ver. O Altas Horas é visto ao vivo e, depois, no Globoplay, no horário que cada um quiser.

Falando em TV aberta, nos últimos tempos ela vem ando por uma série de transformações. Como você enxerga essas mudanças? Como a TV aberta se prepara para o futuro?
A televisão ainda é o meio de informação e entretenimento mais barato que existe. Você compra uma TV, instala uma antena e pronto. E a novela não perdeu relevância – ela apenas perdeu muita audiência. Mas é claro que precisa se renovar, e essa renovação a por toda a televisão. A TV aberta precisa encontrar um caminho de conciliação com o digital.
Não tenho nenhuma expectativa de que a TV volte a ser o que era, com 100% da audiência. Isso não existe mais. E a gente tem que conviver com essa realidade e fazer bem feito, com os princípios que sempre tivemos, porque a TV ainda é muito relevante. Percebo isso pelo retorno que recebo, seja nas ruas, seja em qualquer lugar. As pessoas ainda estão muito ligadas.