Foto: Tadeu Vilani, Agência RBS


Roni Tadeu sabia da existência de uma oficina de marcenaria desativada no Colégio Estadual Augusto Meyer, em Guaíba. Renato e seu irmão e empresário Marcos criaram o Instituto Renato Borghetti de Cultura e Música, sensibilizaram a Celulose Riograndense para patrocinar o projeto e a "aventura" teve início nessa oficina, onde nasceu a Gaita n°1, em poder da empresa. Uma das gaitas da primeira série foi presenteada ao guitarrista Eric Clapton, que coleciona instrumentos. Cerca de 70 gaitas já foram feitas e estão em uso pelos quase 170 alunos da Escola de Gaiteiros em Porto Alegre, Guaíba, Tapes, Barra do Ribeiro, São Gabriel e Bagé. Vale salientar que todas as aulas são individuais.

Em meados de 2013, tomando cerveja em um bar ao lado do velho prédio de 1932, Renato viu que ele estava à venda e anteviu ali um centro cultural e a Fábrica de Gaiteiros. Mais uma vez, os dirigentes da Celulose Riograndense toparam a parada e em novembro começaram as obras de recuperação do prédio e instalação da fábrica. A Gaita n°1 da Barra do Ribeiro será testada nesta terça durante a solenidade de inauguração, para a qual foram convidados o prefeito da cidade e autoridades estaduais da área da cultura. Os professores da Escola de Gaiteiros, Renato Müller, Fofa Nobre, Eduardo Vargas, Clayton Scouto, Augusto Maradona e Eduardo Garcia, acompanhados por seus gaiteirinhos, farão apresentações. Depois, haverá uma visita guiada pela fábrica.

Escola de Música
Foto: Tadeu Vilani, Agência RBS


Instrumento de ensino

- A gaita é muito boa, a gente aprendeu bem - garante um realizado Borghetti.

Ele vibra com o sucesso da iniciativa que multiplica o número de gaiteiros do Rio Grande do Sul e que não está preocupada com a profissionalização deles. A ideia básica do projeto é ensinar jovens a tocar gaita, não a de formar artistas, pois isso depende da vontade de cada um. Uma coisa é certa, ele já sentiu:

- O projeto tem a simpatia total das famílias.

De fato, para milhares de gaúchos, um gaiteiro em casa é o máximo. Imagine-se os churrascos dominicais com música regional ao vivo.

Mas foi um aprendizado intensivo desde que ele estimulou o luthier Roni Tadeu a fabricar gaitas. Roni formou Rogério Guimarães, hoje o dirigente da Fábrica de Gaiteiros. Na verdade, eles formam uma confraria que pouco se vê. Além de Roni, Renato submetia suas gaitas ao mestre Danilo Arcari, de Bento Gonçalves. São instrumentos sensíveis, requerem correção periódica no fole, nas palhetas, na afinação. Mais ainda nas mãos de um músico "mão pesada" como Renato, que exige muito do instrumento. Tanto, que a Scandalli italiana, principal fábrica de acordeons do mundo, produz um modelo exclusivo para ele.

Cinco meses atrás, Renato recebeu uma ligação de Arnóbio Bilia, filho do lendário gaiteiro missioneiro Tio Bilia (1906 - 1991). Hoje com mais de 70 anos, Arnóbio dizia estar sem instrumento e que, sabendo da Fábrica de Gaiteiros, queria comprar uma gaita. A resposta foi que a Fábrica não vendia gaitas, mas que mandaria uma para ele. Problema: Arnóbio estava acostumado à gaita de 24 baixos e as da Fábrica são de oito. Rogério decidiu fazer uma exclusiva de 24 para Arnóbio, que feliz gravou um disco com ela (e o agradecimento está em um vídeo no YouTube).

Sobre a decisão da Fábrica produzir mas não vender gaitas, Renato diz que essa não é questão fechada, mas por enquanto não está aberta. Todas as gaitas produzidas vão para as escolas e são "que nem um livro de biblioteca: pode levar para casa, só tem que devolver dias depois para outro tocar". Ele argumenta que a gaita de oito baixos é um instrumento de iniciação, como foi para Hermeto, Sivuca e mesmo. Enquanto isso, já há mais seis cidades na fila para receberem uma Escola de Gaiteiros, entre elas Santo Ângelo, a terra de Tio Bilia, que deverá ser a primeira.

Gaitas são feitas com madeira certificada
Foto: Tadeu Vilani, Agência RBS


Fantástica Fábrica de Borghettinho

A fábrica de gaitas propriamente dita ocupa a lateral térrea esquerda do prédio, tendo caráter funcional e pedagógico. São cinco salas envidraçadas para facilitar a compreensão do visitante e do aluno na ordem do processo de fabricação. Na primeira sala está a marcenaria, de onde saem as partes de madeira (certificada) das gaitas, a caixa e a tampa. Na sequência, a sala do fole, com a máquina de dobrar o papelão produzido especialmente, e onde também são colocadas a cobertura de tecido e as cantoneiras do fole. Depois vêm a estamparia (partes de metal), a montagem (a gaita fica pronta, com teclas, palhetas etc) e, por fim, a sala da afinação, alma do instrumento.

- Este último é um trabalho muito meticuloso, o afinador tem que ter muito ouvido e percepção musical - diz Emily Borghetti, que conhece cada detalhe do todo e foi a principal cicerone das visitas ao centro cultural durante a construção.

Na lateral direita, situam-se três salas fechadas para diversos formatos de aulas e de recursos - além de ensinar música para crianças e jovens, também estarão sendo formados técnicos na fabricação e no reparo de gaitas. Ao fundo do corredor central, está o café bar, com cozinha, para eventos, que Renato Borghetti prefere chamar de "bolicho" e que dá o a um deck de madeira para a praia. A presença do Guaíba, a poucos metros, foi bem aproveitada pelo projeto arquitetônico de Emily. Ao fundo do mezanino, com o por duas escadas de metal, brilha ao sol ou à lua o auditório de 80 lugares: a "parede" traseira do palco é simplesmente uma enorme janela aberta para o rio - ou lago, como queiram.

Antes de chegar ao auditório, o visitante tem no mezanino cinco módulos com textos e imagens do que Emily chama de "galeria histórica", idealizada por ela. Um resume a história da gaita desde que em 2700 a.C. um chinês inventou o cheng, espécie de órgão portátil tocado pelo sopro da boca. Outro, conta a história do prédio de 1932 e da cidade de Barra do Ribeiro. Outro, mostra o nascimento do projeto Fábrica de Gaiteiros. O quarto, descreve o processo de fabricação da gaita. E o último documenta a evolução do projeto e do Instituto Renato Borghetti. Dando as costas para a "galeria histórica", o visitante pode observar, de cima, a fábrica em atividade.

*Jornalista, crítico musical e colunista do 2º Caderno

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