Gabo se casou com Mercedes Barcha em 1958 e, ao longo da carreira ascendente do escritor, aquela menina colombiana provinciana nascida na década de 1930 aos poucos se tornou uma mulher que se relacionava com naturalidade com presidentes e outras figuras internacionais.
— Era uma pessoa gregária, sociável, mas também reservada. Fiquei satisfeito com os comentários de pessoas que a conheciam e a reconheceram no livro.
A obra, portanto, traz um pouco da história de como morreram os dois fundadores do Clube dos Quatro, brincadeira familiar que incluía ainda os filhos Rodrigo e Gonzalo.
O livro é pleno de detalhes curiosos que, graças ao cuidado de Rodrigo, jamais resvalam na fofoca. Certamente um dos pontos altos é a percepção de Gabo de que estava perdendo a memória.
— Meu pai tinha plena consciência disso, o que o angustiava muito pois dizia estar perdendo sua principal ferramenta de trabalho — recorda-se Rodrigo que, com o tempo, não era mais reconhecido pelo pai, assim como seu irmão. — O preço de ver uma pessoa naquele estado de ansiedade e ter de tolerar suas intermináveis repetições é enorme.
Rodrigo conta que era normal manter ao redor da cama do escritor pessoas conhecidas, como a secretária, o motorista, a cozinheira, que trabalhavam na casa havia anos.
— Isso o acalmava — diz. — Cada rasgo de memória era festejado, assim como detalhes insignificantes como comeu bem ou sorriu.
Doloridos mesmo foram alguns momentos em que Gabo não reconhecia Mercedes, que inicialmente reagia com raiva, inconformada com o olhar desconfiado lançado por ele. Ao mesmo tempo, havia humor, como o dia marcado pelas gargalhadas das diversas mulheres que cercavam o escritor depois de ouvir dele o comentário malicioso de que não conseguiria amar todas.
— Escrevi uma carta de despedida — reflete Rodrigo. — Não foi fácil, cheguei a entrar em pânico quando o livro estava para sair, mas precisava deixar esse registro.
Em maio, e como parte das celebrações dos 40 anos da conquista do Nobel por Gabo, a Record vai lançar Diatribe de Amor Contra um Homem Sentado, a única peça escrita pelo autor colombiano, que traz o relato íntimo e sincero de uma mulher prestes a completar 25 anos de casada.
Também está prevista a publicação de Duas Solidões: Um Diálogo Sobre o Romance na América Latina, transcrição de uma conversa entre Gabo e o também vencedor do Nobel (2010) Mario Vargas Llosa, ocorrida em 1967, sobre literatura latino-americana, e também de García Márquez: História de um Deicídio, tese de doutorado de Llosa sobre a obra do colombiano — inicialmente amigos fraternos, eles romperam a relação em 1976, aparentemente por causa de uma fofoca envolvendo Patrícia, então mulher do peruano. Seja qual for o motivo, o rompimento foi marcado por um soco dado por Llosa no olho de Gabo.