A crônica é sempre um comentário, uma opinião pessoal. O estilo da crônica, o "approach", em bom português, depende do assunto e do humor do cronista. Você não pode escrever sobre tragédias como escreve sobre amenidades, o que explica a dificuldade em ser engraçado no Brasil hoje. Só no Brasil, não. No mundo.
O senhor costuma recorrer com frequência à ficção quando escreve crônica. Por quê?
A crônica pode ser o que você quiser. A melhor definição que conheço é: "crônica é o que você chamar de crônica", seja ficção ou não ficção. Muitas vezes recorre-se à ficção para fazer um comentário na forma de metáfora ou sátira, por exemplo. Aí a a ser uma ficção com segundas intenções.
Alguma crônica com a qual o senhor se reencontrou depois de muito tempo da publicação teve o sentido alterado com o ar dos anos? Há textos seus escritos ao longo de cinco décadas, é natural que as pessoas mudem nesse grande espaço de tempo.
Uma coisa que sempre me espanta na leitura de algumas crônicas antigas minhas é a dimensão dos textos. Não sei se, com o tempo, fiquei mais conciso ou mais preguiçoso.
Como é o seu reencontro com uma crônica como Errata, repleta de trocadilhos e de um humor bastante escrachado? Para o leitor a graça não se perde, mas e para o autor do texto? É possível rir de seus próprios escritos tanto tempo depois?
Gosto de pensar que os textos bons serão lembrados e os ruins, esquecidos, mas não se pode esperar iração eterna para os bons e misericórdia para os ruins. Pela minha experiência, nem a iração nem a ojeriza duram mais do que uma noite forrando a gaiola do papagaio. Nossa auto-apreciação não vem ao caso, se o leitor ao menos entender a piada já nos sentimos recompensados.
Lembrando a mesma expressão da primeira questão e a pertinência dos textos cômicos nestes tempos atuais: por que humor pode ser importante numa hora dessas como a que estamos vivendo?
Eu acho que estamos vivendo uma era que nada redime, nem o humor. Nem a exortação otimista de um Buzz Lightyear, do (filme) Toy Story: "Para o infinito... e além!". Não tem mais nem além.
Na crônica Falso Entendido, o senhor faz referência a essa figura, como escreve, "fascinante" que "não sabe nada de nada mas sabe os jargões". É uma figura atemporal. Há textos mais conectados com o momento, como O Pior Crime, sobre os sem-terra durante o governo Fernando Henrique Cardoso. O quanto a perenidade do texto está ligada ao tema?
É claro que o tema determina o estilo e a pretensão da crônica. Mas não acho que existam temas que devam ser abordados solenemente, de gravata. Pode-se usar qualquer estilo para tratar de qualquer tema, desde que não se sacrifique a criatividade pela "seriedade".
Eu sempre digo que, no Brasil, o fundo do poço é apenas uma etapa.
O senhor escreveu uma crônica sobre a timidez nos anos 1980, muito antes da popularização da expressão "lugar de fala". Brincadeiras à parte, textos como esse, que falam sobre questões íntimas do autor, tiveram algum tipo de efeito terapêutico? Olhando em perspectiva, anos depois, pode-se dizer que algum texto o ajudou nesse sentido?
Confesso que não sei o que significa "lugar de fala". Preciso me atualizar. Quanto a, vez por outra, falar sobre o meu próprio umbigo, penso que existe um interesse moderado pelo assunto. E um umbigo, desde que encarado com bom gosto e senso estético, pode ser fascinante.
Atualmente parece haver mais consciência de raça e gênero, e o humor que apela a estereótipos tem sofrido com isso. Como o senhor vê essa situação?
Penso que houve um avanço . Estereótipos raciais e sociais como o homossexual exagerado, o judeu usurários o negro caricato etc. aparecem cada vez menos em programas humorísticos na TV. Aos poucos, nos civilizamos.
Como tem sido sua rotina durante a pandemia?
Asilado em casa. Uma sensação estranha.
Com os gestos recentes de Jair Bolsonaro, o senhor está preocupado com a democracia no Brasil?
Eu sempre digo que, no Brasil, o fundo do poço é apenas uma etapa.