Da crônica Chô, Urubu

"Mas também não avisam nada! Foi por acaso que eu notei: a primavera chegou. Olho pela janela e vejo um céu esbranquiçado e murcho. Na água cinzenta do rio arrasta-se uma chata de carvão. E um débil mormaço faz a cidade quase feia. Ah, mas não tem importância. Leio no cabeçalho do jornal, terça-feira, 26 de setembro de 1939. Assim, pois a primavera chegou, e é meu dever dirigir-lhe as saudações de praxes. Não vejo flores nem ao menos sol, nem ao menos céu azul. Que importa a má vontade da natureza? A primavera chegou.”
Da crônica Primavera

Ora, tivemos ontem uma sexta-feira com alma de sábado. Depois de tantos e tão longos dias de mormaço, de nuvens, chuva, de aborrecimento, chegou o sol primaveril. Ah, que infame fui eu falando mal da primavera desta capital! Serias tu, Porto Alegre, uma cidade sem primavera? De Niterói costuma-se dizer que não tem lua: a população local contempla a lua do Rio.Pois a primavera chegou. Numa sexta-feria como lobisomens. Clara e suave, ela chamou para as ruas os homens e as moças e as mulheres. E as ruas se encheram. Fiquei comovido vendo como as senhoritas desta urbs são sensíveis à luz loira do sol. Em centenas e talvez milhares de residências as moças descobriram ontem à tarde que precisavam ‘fazer compras’. Era mentira. Na verdade, ninguém queria compra nada. O que havia de bom na cidade, o que chamava as moças e por isso chamava os homens, era essa coisa grande grátis, essa graça de Deus, o sol, ‘claro sol, amigo dos heróis’.”
Da crônica Sol

"Quem são crianças em Porto Alegre? São bichos incômodos e mal adaptados. Na cidade grande a criança é evidentemente uma coisa fora do lugar. Pensões e apartamentos há que não aceitam inquilinos que tenham cachorros ou crianças. Prefeitos de mil cidades do mundo cuidam de abrir parques onde as crianças possam correr em liberdade... Em Belém Velho, as crianças estão em sua terra. E ali deve haver tempo e espaço para as crianças. Os homens e as mulheres têm tempo não apenas de fazer mais crianças como de brincar com as crianças, ralhar com as crianças e achar as crianças engraçadinhas.”
Da crônica Belém Velho

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